Blog Lagoa do Peixe
O vento modelador
Figueira modelada pelo vento do litoral, na Trilha da Figueira.
O vento corre solto e sem grandes anteparos para segurar sua ânsia de chegar a lugar nenhum. Sim, o vento tem pressa, mas nem ele sabe de onde veio e para onde vai, só segue correndo e arrastando tudo. É como um cavalo que desaba numa carreira no meio do campo, assustado nem sabe de que, e segue não sabe para onde. Só segue. Assim é o vento nordeste aqui na Lagoa do Peixe, onde estou há alguns dias para contar o que vejo. Há três dias e noites ele corre alucinado pela beira da praia, pelos banhados, lagoas e restingas deixando tudo e todos em polvorosa. Arranca areia da praia e joga para dentro do continente em nuvens baixas que se deslocam paralelas ao chão como um lençol ao vento. Tudo se enche de areia, tudo se mastiga com algum grão perdido que estala nos dentes, tudo aborrece e convida as pessoas a ficarem em casa, fechadas esperando ou, no meu caso, andado pelo campo e dunas tentando achar alguma imagem interessante, mesmo que encha de areia o equipamento, o carro e os dentes.
Dunas móveis próximas da costa
Assim resolvi encarar de frente o nordestão e fui caminhar pela Trilha das Dunas. Saí do carro com o equipamento fotográfico protegido e subi numas dunas que tinha perto da trilha. O açoite da areia nas canelas era permanente e revivi minha infância em Arroio Teixeira, quando passávamos muitas horas nas dunas imensas que lá existiam. Sim, existiam porque a urbanização da praia acabou com elas. Aqui, por força de ser uma unidade de conservação, elas ainda estão presentes e se exibem como sempre foram: dunas móveis que dançam ao vento criando formas de cristas e desfiladeiros e escaldam ao sol. O bom das dunas é que elas nunca estão da mesma forma, já que o vento e a chuva mudam suas fisionomias de um dia para outro. Línguas de areia fina e branca voam das cristas mais altas e se atiram nos abismos e vão modelando a duna, mudando sua posição, forma e criando cenários fantásticos.
Bandos de maçarico branco (abaixo) e de talhamar abrigando-se do forte vento nordeste
As árvores, arbustos, juncos e palhas dos banhados estão adaptados ao rigor do nordestão e, com aquela resiliência que é própria das plantas, vergam-se por dias e, após cessado o vento, reassumem sua postura ereta como se nada tivesse ali acontecido. Mas há exceções. Algumas figueiras que se desenvolvem no campo, mais longe da mata densa, sofrem mais e acabam mostrando, no seu desenho final, a importância e a intensidade deste vento aqui da costa. Parece que foram tosquiadas e penteadas com esmero pelo vento forte dando a forma de uma seta que indica a direção predominante desta famosa corrente aérea.
As aves recolhem-se ao solo e ficam encarando o vento de frente, posição mais favorável para elas devido a sua aerodinâmica. Bandos de talha-mar, biguás e maçaricos ficam imóveis “olhando” para o vento que vem de frente, como querendo saber o motivo do açoite. Poucas são aquelas espécies que se lançam ao ar durante estes longos eventos de rajadas e, entre eles, pude observar o gavião-caramujeiro que habilmente dominava as lufadas quebrando as asas e manejando a cauda num espetáculo digno de uma verdadeira acrobacia aérea. Também algumas garças cruzavam banhados a grande velocidade tocadas a todo o vento, parecendo movidas a velas.
Lagoa baixa cria amplas praias arenosas
Como a barra da lagoa está aberta nesta época do ano, o vento constante toca a água para o mar, deixando a lagoa mais rasa e com extensas praias arenosas, parecendo que está secando. Assim é a complexa dinâmica da Lagoa do Peixe, um lugar diferenciado na nossa costa.