Blog Nascentes do Rio Uruguai

Rio não nasce, rio não morre

Rio Pelotas em Bom Jardim da Serra, principal formador do Rio Uruguai no lado de Santa Catarina

Nascer e morrer é da vida, da existência de cada um, é a sina de quem por aqui passa. Como pode um rio nascer e morrer? Penso numa nascente, num olho d’água como tantos que por aqui encontrei, num banhado de turfeira que esconde a vertente e vejo que aí não é de fato o local onde o rio nasce. É apenas o local onde ele se apresenta para a geografia, pois vivo e fluído ele sempre foi, só estava escondido nas cavernas e lençóis freáticos do solo. Imagino toda a água do planeta sendo uma única água, um único corpo com mil formas espalhado por gretas, cânions, lagos, rios, oceanos e cavernas como se tivessem sempre de mãos dadas, unidos, apesar de divididos em pedaços pela geografia. Um corpo de mil formas que conhece o planeta inteiro e seus segredos mais escondidos, seja através de correntes marinhas que viajam pelos oceanos, seja pelas barrentas águas do Rio Uruguai que escondem histórias, mistérios e bichos. Todas interligadas, sempre se misturando, evaporando e voltando para o chão, atravessando os tecidos das plantas em uma floresta, hidratando animais sempre sedentos, carregando sedimentos dos planaltos para as planícies, imiscuindo-se nos apertados interstícios dos grãos de areia dos solos e sendo singrada por navios de todos os tipos e tamanhos.

Rio das Contas

Ponte sobre o Rio das Contas, no Passo da Barroca. A pequena casa, no outro lado do rio, é o posto de controle fiscal 

Falar no rio Uruguai sem fazer uma referência ao Rio das Contas, é como falar do Rio Amazonas sem citar o Rio Solimões, ou do Rio Jacuí sem aludir ao Caí, ou ao Taquari-Antas. Aqui em São José dos Ausentes serpenteia entre campos, canhadas e matas, fazendo a divisa com Santa Catarina, este pouco conhecido rio das Contas, que ganhou este nome em função de ser num passo dele que se fazia a contagem de gado e cavalos que cruzavam os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, para efeito de pagamento de impostos.

As águas nascentes das matas

 

Topo do Morro da Cruzinha com a cruz missioneira

Subi no topo Morro da Cruzinha, com seus mil trezentos e vinte e cinco metros de altura (medição feita no meu celular), considerado o segundo ponto mais alto do Rio Grande do Sul, e olhei demoradamente para o sul. Ali embaixo e a frente se espalham, como artérias abertas, muitos arroios de pequeno caudal que nascem ou nos banhados ou dentro das matas de araucária, que são inúmeras por aqui. Olhar aquelas manchas de verde escuro com o predomínio das coroas dos pinheiros, remete-me a um tempo que não vivi, mas que reconstruí baseado em leituras e depoimentos de velhos amigos que me informaram de como era esta rara mata antes ou durante o tempo das madeireiras.

A música das águas nascentes

Sentado na primeira fila da sinfonia da água e escrevendo esta crônica

Arroio de serra salta e canta, rio de planície desliza em silêncio. Estou sentado junto a um trecho do Arroio da Branca, um pequeno curso de água que nasce próximo da Pousada Monte Negro e escorrega por um vale encaixado no meio de campos e matas, passando ao largo da Estância Tio Tonho. Segue pelo campo até se encontrar com o rio do Marco, que segue até encontrar o rio Silveira, que segue até encontrar o Rio Pelotas que segue até trocar o nome para Rio Uruguai e que acaba encontrando o Rio da Prata, lá nas bandas da Uruguai.

O berço do grande Rio

Casal de veado-campeiro descansando em um banhado formador do Rio Sepultura

O Rio Uruguai tem pouco mais de 1.700 quilômetros de extensão, começando na junção do Rio Pelotas com o Rio Canoas, em Barracão - RS. Daí até sua foz no longínquo Rio da Prata, em frente Colônia – Uruguai, e Buenos Aires – Argentina, ele atravessa muita terra vermelha, gargantas rochosas, represas, margens com matas densas ou campos, lavouras e cidades próximas das suas margens, que bebem muito de suas águas.

O Rio Uruguai

Rio Pelotas, perto da nascente em Bom Jardim da Serra, SC

O Rio Uruguai me faz lembrar da região das Missões e seus solos vermelhos, religiosidade e histórias; do norte do Estado, com sua outrora exuberante florestas que acompanhava suas margens e agora transformadas, em sua maior parte, em lavouras; da cidade de Uruguaiana, fundada pelos Farrapos durante a revolução Farroupilha, sua ponte internacional que atravessa o grande rio; das hidrelétricas de Itá e Machadinho que represaram o rápido e volumoso rio deslocando cidades e povoados; do nosso primeiro Parque Estadual - o Turvo, em Derrubadas,  que abriga no leito do grande rio a maior cascata longitudinal do planeta, o Salto do Yucumã e único local que ainda abriga a onça pintada e animais raros da nossa fauna; das balsas de madeira que desciam o rio durante as cheias até a Argentina, levando preciosas cargas das melhores madeiras de nossas matas; do local chamado Estreito do Rio Uruguai, em Marcelino Ramos, onde as margens rochosas eram tão próximas que, durante a seca, a água do rio seguia toda por fendas escondidas sob as rochas e permitia que se cruzasse o rio com um passo, ficando uma perna no Rio Grande do Sul e outra em Santa Catarina, local icônico que ficou submerso após a construção da hidrelétrica de Itá; do Parque Estadual do Espigão Alto, em Barracão, perto do qual oficialmente o Uruguai assume este nome após o rio Pelotas receber o rio Canoas, vindo de terras de Santa Catarina; do livro escrito pelo Padre Rambo onde narra, com aquela precisão e sabedoria, a exuberância das matas do vale do Rio Uruguai e dos campos que drenavam suas nascentes.

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