Blog Lagoa do Peixe

Aves da Lagoa do Peixe

 

Um biguá em atividade de pesca na Lagoa do Peixe

Ser uma ave na região da Lagoa do Peixe deve ser bem confortável sob o ponto de vista da disponibilidade de alimento. E é assim. Há uma farta cadeia alimentar instalada nos banhados e lagoas rasas, no campo e nas matas nativas da restinga, no litoral e mesmo nas dunas. Basta que cada espécie encontre seu nicho e seu alimento, já que cada uma tem sua dieta, com algumas exceções. As garças, em sua maioria, são pescadoras e utilizam seus longos bicos e sua paciência em permanecerem imóveis por longos períodos nos baixios das lagoas, aguardando o momento de se lançarem com seus longos e certeiros bicos sobre as presas que por ali passam. Na mesma linha de comedor de peixes, está o martim-pescador que, ao contrário das garças, utiliza poleiros para avistar seus peixes e dali se arrojar sobre eles. É uma festa para a mesa, já que peixe não falta. Os biguás, também pescadores, desenvolveram outra técnica e buscam os peixes mergulhando e indo atrás deles no fundo dos lagos, açudes e arroios. Todos comem peixes, mas cada espécie captura de uma forma, em lugares específicos sem interferência nas demais.

Conchas vazias de caramujos aruás, comida preferencial do gavião-caramujeiro

Tem também aquelas aves que vivem de pequenos vermes, moluscos e camarões que se proliferam aos milhares no lodo e nos baixios da Lagoa. O colhereiro e o flamingo, belas aves vermelho alaranjadas, ficam nestes locais rasos filtrando o lodo e ingerindo o que por ali se mistura, seja um pequeno caramujo, um camarão, alevinos, algas ou vermes. Inclusive a cor alaranjada destas duas espécies é emprestada por pigmentos encontrados em algumas algas e camarões, os chamados carotenoides, que são parte importante de sua dieta.

Bando de flamingos nas águas rasas da Lagoa do Peixe

O gavião-caramujeiro, grande ave de rapina, negro e dono de uma dieta muito específica, tem abundância de caramujos aruás a sua disposição. Fica sobrevoando os banhados e arroios e captura os caramujos nas águas rasas e entre os aguapés e os leva para serem consumidos em algum poleiro do campo, quase sempre um mourão de cerca ou árvore isolada. É tão especializado este gavião que o seu bico curvo tem uma adaptação para cortar cirurgicamente o músculo que prende o molusco dentro da concha. Em um golpe rápido e certeiro, ele se livra da concha e ingere todo a parte mole do caramujo como se fosse um gurmet consumindo ostras em um restaurante. É fácil identificar os locais de alimentação deste gavião pela presença das conchas vazias ao pé dos poleiros.

O tachã, com sua cabeça desproporcionalmente pequena em relação ao corpo, resolveu diversificar, incluindo em sua dieta plantas aquáticas e pequenos animais. Como os quero-queros, são fortes denunciadores de intrusos em seu ambiente, como eu que, em vão, tento me aproximar dos bandos para observar e fotografar. Sou denunciado por gritos estridentes ouvidos por todo o banhado, alertando sobre a minha presença. Parece que aprenderam com os quero-queros a darem alarme contra intrusos. Enquanto não me afasto, não param de gritar, principalmente neste período em que estão com ninhos nos banhados, e sempre naqueles locais mais inacessíveis. Consigo alguns registros de longe ou quando fazem algum sobrevoo sobre mim.

Uma garça-moura pescando na beira da praia, próximo a barra da Lagoa do Peixe

A jaçanã, para diminuir a concorrência, se especializou em andar por sobre a vegetação aquática que flutua nos banhados e lagoas. Tem os dedos longos e seu pequeno peso permite que se movimente agilmente sobre os aguapés e marrequinhas-da-água e se farta dos insetos e outros pequenos animais que vivem naquele emaranhado de raízes e folhas flutuantes. O mais interessante desta ave cor de ferrugem é sua plumagem verde limão exibida em suas penas das asas durante o voo.

Há uma espécie de acordo tácito entre estas espécies relativo ao que comer, onde e quando, por isso podem conviver num mesmo ambiente sem competirem umas com as outras. Cada uma com sua dieta, com seu alimento preferido e todos em paz, não fosse pelos gaviões que rondam permanentemente ninhos com ovos ou filhotes. A cadeia alimentar não tem nada de romântica. Ela é objetiva, justa e cruel. (Segue na próxima semana)

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