Habitantes das pedras
Pedra do leito do Rio Silveira coberta de diversas espécies de líquens
O rio Silveira corre por um leito negro de pedra basalto originada de gigantescos derrames vulcânicos que remontam há mais de 100 milhões de anos. Por todo o vale se observa uma quantidade variada de rochas expostas pelo campo, ora aflorando como sentinelas, ora empilhadas formando longas e antigas taipas para separarem os campos de uns e de outros. Estas pedras do campo são pontas que emergem do grande esqueleto rochoso que forma o Planalto Sul brasileiro, que aqui na região de São José dos Ausentes pode ter mais de mil metros de espessura. Uma pedra exposta fica à mercê das intempéries, que aqui são muito severas e podem ir de geadas com temperaturas muito abaixo de zero ou calor escaldante nos dias limpos de verão que podem bem passar dos 30 graus. Estas variações térmicas extremas, associada com a ação da água que, ao congelar e dilatar, vai quebrando a rocha em pedaços menores que acabam se incorporando ao solo. Parece que nada pode viver sobre elas. Só parece.
Acontece que existem organismos que desafiam a lógica, e os líquens fazem parte deste grupo. Parecem manchas brancas aleatórias que se instalam sobre taipas, pedras do campo e mesmo no leito do rio, naqueles lugares aonde a água só chega nas grandes cheias. Não são plantas, mas sim fungos que se associam com algas para juntos criarem uma eficiente parceria a ponto de que, sozinhos, não poderiam viver ali. Seu limite de tolerância às oscilações climáticas é superior a qualquer planta. Nesta parceria o fungo cria uma camada protetora externa para abrigar algas no seu interior. As algas, assim protegidas da desidratação, fazem fotossíntese com a energia do sol, gás carbônico e água retiradas da atmosfera e produzem açúcares e carboidratos. Este alimento serve tanto para a alga como para o fungo que, sozinho, não tem capacidade de produzi-lo. Assim, os liquens só dependem de ter umidade, um lugar ao sol e gás carbônico para se instalarem e desenvolverem seus corpos coloridos e com formas abstratas que lembram pinturas aleatórias.
Pedra no leito do Rio Silveira parcilamente recoberta por musgos
Outros organismos que conseguem povoar uma rocha nua são os musgos, pequenos e formando densos tapetes de um verde intenso que, diferentemente dos líquens, toleram pouco a vida em pleno sol. Assim, os musgos preferem os lados menos ensolarados e mais úmidos das rochas, que são aqueles voltados para o sul, onde a incidência direta do sol é menor. Olhando bem de perto, um tapete de musgos é semelhante a uma densa floresta onde os indivíduos vivem lado a lado como mini árvores e esta característica é vital para eles se manterem no ambiente e se reproduzirem.
Vale do Rio Silveira com pedras no campo e no leito cobertas de líquens brancos
Desta forma, o vale do Rio Silveira e seus campos e matas de entorno, são adornados por estes organismos pouco conhecidos e que tem grande importância na natureza, seja pela produção de alimento para si e para a cadeia alimenta, seja pelas interações que promovem com outros organismos e a proteção dos solos nus onde se instalam. Eu, particularmente, acho os líquens e musgos verdadeiras alegorias da natureza, bandeiras mesmo que se multiplicam e se instalam em lugares incomuns, sinalizando a presença de uma natureza pouco conhecida, como se acendessem luzes para que sejam vistos, entendidos e respeitados.