A solidão do pinheiro
O pinheiro araucária é uma espécie nativa que habita as terras altas do sul do Brasil há muitos milhares de anos. Aqui no Vale do Rio Silveira, em São José dos Ausentes, é possível encontrar muitos locais com grandes concentrações desta magnífica espécie que tem, entre tantas características, a de viver próximas umas das outras, formando maciços que enchem os olhos e instigam a imaginação do observador para entender a necessidade desta vida gregária. O que acontece é que esta espécie de pinheiro tem as flores masculinas e femininas em árvores separadas e, para que a fecundação ocorra, elas têm que estar próximas umas das outras. Quanto mais se encostando um galho no outro melhor será a polinização, que é feita pelo vento, resultando em mais pinhões na próxima safra.
O que me chama a atenção, algumas vezes, é o encontro de pinheiros solitários no meio do campo, quase sempre associado a algum afloramento de rochas. O pinhão chegou ali carregado por alguma gralha ou cutia, que o escondeu para consumo futuro, e que acabou germinado antes. Cresceu e conseguiu se esconder dos incêndios anuais do campo protegido que estava pelas rochas, com se estivesse em uma fortaleza. Ano a ano, fogo após fogo, estes pinheiros solitários se agigantam e se impõe na paisagem, virando referência para caminhadores e gaúchos campeiros, pousos estratégicos para gaviões e falcões caçadores, local seguro para ninhos de corucacas e apoio para bromélias e liquens. Se for macho, não terá problema e dispersará igualmente seu polem aleatoriamente pelo vento. Se for fêmea, possivelmente terá que ter sorte de receber do vento uma quantidade de polem suficiente para fecundar seus óvulos e transformá-los em pinhões.
Este pinheiro solitário deve olhar para as matas densas de capões que estão distantes e perceber seu isolamento, vendo centenas dos seus iguais agrupados, interagindo e dançando nas tempestades, apoiando-se mutuamente, um segurando o outro e ele ali só e desamparado mas mostrando o tutano e a força de uma espécie que só se dobra mesmo para três forças: a descarga elétrica de raios, que o parte em pedaços; ventos incomuns que arrancam suas copas e o homem com seus instrumentos de corte e sua fome por madeira. A solidão não diminuiu o seu esplendor, apenas destacou mais ainda as suas formas únicas, seu tronco reto e os galhos voltados para cima, como em oração ou agradecimento.