A liberdade do campo
Uma grande curva do Rio Silveira oferece uma incrível imersão na natureza
Tenho um prazer atávico de andar com vagar pelo campo abrindo completamente os meus sentidos para ver, sentir, ouvir e cheirar o ambiente. É alguma coisa difícil de traduzir, mas muito fácil de sentir. Os meus passos rascando no capim emitem um som de palha sendo dobrada que vai mudando a cada passo em função do lugar e da altura da grama. Assim, a música do meu andar é sempre nova e interessante mudando radicalmente quando chego em um afloramento de rocha ou entro num rio. Passos na água são mais silenciosos, mais cautelosos pelo fundo desconhecido, liso e irregular; passos nas pedras são mais ágeis e ligeiros, quase sem sons não fosse pela presença de alguns líquens que se dobram e estalam sob a sola da bota, informando que o tempo está seco.
Caminhar sobre as pedras do campo altera o som dos passos e a percepção do ambiente
O horizonte é outro fator que me atrai nestas andanças pelo aberto dos campos, oferecendo uma boa oportunidade para uma localização geográfica do lugar. Identificar norte, sul, leste e oeste é um dos primeiros passos quando inicio uma caminhada, quando também defino a minha posição de partida na geografia, o que facilita muito o retorno seguro depois de algumas horas. Quase sempre saio cedo pela manhã para aproveitar as boas horas de luz dourada, o que me garante fotografias melhores do ambiente. Ando até perto das onze horas e retorno a base, fugindo do sol que, nestas horas já está escaldante.
Campo de primavera: um privilégio poder andar nele
O percurso que traço visa sempre algum ponto de interesse, podendo ser uma curva de rio, uma cachoeira, um banhado com turfeira, um morro, um açude, uma tapera ou o que mais me despertar a atenção. Ando um pouco e paro para absorver o ambiente, sigo em seguida para parar novamente saboreando as informações que chegam pelos meus sensores, podendo ser um odor de carniça que denuncia morte de algum animal; um grito de seriema; um doce cheiro de mel vindo das flores de carqueja; zumbidos de mutucas que insistem em picar minha pele para beberem meu sangue; gritos de caranchos rondando o campo; mugido de gado chamando a cria; mugido de touro marcando seu território; som de rajadas de vento que mudam de intensidade e de direção sem aviso dobrando a aba do meu chapéu; som da água de um rio sobre um lajeado, parecendo que se esfrega de alegria sobre as negras rochas; a vista de uma mata de araucárias ao longe mostrando sua imponência e beleza verde-escura; a beleza de flores de cactos e outras que se espalham pelo gramado pintando de outras cores o verde intenso do campo de primavera; a forma dobrada dos campos que parece que foram moldadas por um gigante que brincava de fazer um caminho para a água do rio; o vento vindo de lá traz barulho de um trator que prepara o campo, longe da minha visão.
Caminhar nos rasos do rio Silveira é uma experiência única
A visão da minha sombra mais curta e mais perto de mim diz que é hora de retornar para a base, retirar as botas e roupas de caminhada, preparar o almoço e planejar a caminhada da tarde, depois das três horas, para ter outra perspectiva do ambiente, outros sons, outra temperatura e conseguir algumas fotos com a boa luz do final de tarde. Gosto de andar no campo. Gosto do que ele me mostra. Gosto da liberdade que ele me oferece para poder sentir o seu íntimo.