Quase 70
Eu, no meu elemento.
Viver é uma janela de tempo que nos põe em constante luta para driblar as armadilhas que se espalham pelo caminho, mas também com muitos bons momentos. Estou muito feliz com a minha, que já é mais longa do que foi a dos meus pais e de dois de meus irmãos, e fico algumas vezes pensando como estariam eles hoje, mas não consigo formatar uma imagem deles. Tudo tem seu tempo, todos tem sua idade e sua função.
Minha infância foi das melhores que eu poderia ter e ainda recordo dos momentos de criança, com jogos de bolinha de gude, caminhão feito em casa, carrinhos de lomba, tunda de cinta do pai e funda para caçar passarinho. A adolescência foi complicada, como a de todos da minha e das atuais gerações. Insegurança, vergonha das gurias, amores incipientes, espinhas, cabelo que não se ajeitava e aí, no meio deste caldo de hormônios e deslumbramentos, surgiu uma banda chamada The Beatles, que mudou tudo. Tive o privilégio de ser um adolescente no início da beatlemania – anos de 1962- 63. Parece que a partir daí tudo ficou mais fácil, mais divertido e a vergonha que tinha, sumiu. Montamos uma banda que imitava nossos ídolos e assim passei aqueles anos difíceis saboreando uma música envolvente, eletrizante da qual não entendia a letra, mas fruia a melodia e as harmonias arrebatadoras.
Poucos anos adiante, já morando em Porto Alegre, li a notícia da dissolução da minha banda preferida e eles passaram a povoar minha mente apenas com seus discos de ótima música, o que curto ainda hoje. Segui a vida, dilatei meu gosto musical, cursei a Biologia, a Ecologia e ensinei durante muito tempo os meandros, encantos e mistérios da natureza.
Hoje minha mulher, os amigos e meus filhos estão sempre por perto e minha neta adoça cada vez mais meus dias. Mudei meu rumo profissional, mas não abandonei a natureza. Hoje ensino através de minhas crônicas como se fossem recados que mando aos que gostam da natureza, bem diferente do modelo que empreguei por mais de 30 anos em uma sala de aula. Escrevo e fotografo aquelas coisas que encontro pelos meus caminhos e isto me dá um prazer comparável ao que tinha e sentia quando estava em sala de aula compartilhando algum conteúdo para meus alunos curiosos. Aprendo sempre e compartilho. Este é meu lema.
Descobri, após quase sucumbir ao covi 19 em julho de 2020, que a vida é mesmo um caminho com muitas surpresas e desafios que exigem ser enfrentados de frente. Viver é um ato de bravura, de constante desafio e de permanente negação da zona de conforto. Estou prestes a fazer 70 anos e me sinto ainda em condições de seguir adiante e descobrir novos lugares que me inspirem e me emocionem. Sim, a emoção me parece a chave para continuar, para manter a chama e o interesse. Sem emoção, sem tesão.
Vou seguir enquanto minhas pernas me levarem pelo campo, meus ouvidos me contarem dos sons dos ambientes, meus olhos me mostrarem as cores e formas a frente, meu nariz conseguir distinguir o cheiro de mel de carqueja daquele de um zorrilho e minha cabeça puder comandar minhas mãos para fotografa e escrever. Assim sou feliz e curto a vida, assim quero que ela termine para mim, assim quero que me vejam, como um jovem idealista de quase 70 anos que ainda tem muito gosto por aquilo que o motiva, encanta e move: a natureza.