O Morro Chato
Rio Divisa e o Morro Chato, ao fundo.
Avistado de longe, admirado e temido de perto. Assim é o Morro Chato, um grande platô de basalto que se ergue aos pés da margem esquerda do Rio Divisa desafiando aos mais aventureiros uma escalada pelos seus poucos pontos de acesso que dispensam cordas. Avistado a partir da estrada que dá acesso ao Vale do Rio Silveira, no acesso as pousadas Cachoeirão dos Rodrigues e Potreirinhos, encanta e intriga pelo tamanho e forma achatada que apresenta, diferente de outros morros de topo arredondado da região. De qualquer ponto deste local do vale, quando olho para o sul, lá está o Morro Chato, parecendo olhar e controlar tudo abaixo.
Detalhe da base da face leste do Morro Chato
Há muito tinha vontade de subir no seu lombo e ver a paisagem lá de cima e descobrir seus mistérios. Então chegou o dia. Hoje (27 de outubro de 21) resolvi encarar a empreitada e, com a quiescência de amigos proprietários das terras onde se localiza o promontório, tive acesso a área. Atravessei a ponte do rio Divisa e lá estava o flanco leste do morro, com suas escarpas bem ensolaradas, já que era cedo ainda e o sol clareava, esquentava e convidava a aventura. Estacionei o carro fora da estrada, tracei a rota na direção do morro e segui tranquilo pelo campo verde e quente costeando uma taipa antiga que subia em direção ao morro.
Uma Dama-do-abismo fazendo jus ao seu nome, exibindo-se no abismo do Morro Chato
Quando cheguei mais perto da base percebi a real imponência dos paredões de mais de cem metros de altura. Olhei para cá e para lá e percebi que por esta face leste só tinha um acesso bem no final do morro, a direita. Segui por ali em zigue e zague para diminuir o esforço e cheguei em um lugar perto do topo que me fez parar. Vi ali um dos mais espetaculares jardins naturais sobre pedras, numa encosta absurdamente íngreme e desafiadora. Ali se exibiam damas-do-abismo em uma quantidade que jamais vira antes, todas exibindo suas flores tubulares em direção ao abismo abaixo. Açucenas em quantidade e beleza que deixavam o lugar parecendo um jardim trabalhado por mãos muito hábeis de algum jardineiro meticuloso. Cada pedra parece que exigiu a presença de alguma planta colorida. Orquídeas de chão, petúnias, glandulárias e lupinos se exibem ao sol da manhã e se dobram ao vento parecendo que fazem reverências ao belo dia que segue quente. Consigo, depois de ficar bom tempo contemplando o jardim suspenso, chegar ao topo do Morro Chato. Fico ali sentado contemplando a paisagem abaixo e vendo o rio Divisa parecendo uma serpente escura que corre pelo campo e se perde ao longe em direção a mataria de araucária.
Glandulárias e dama-do-abismo num detalhe do jardim suspenso existente na subida do Morro Chato
Fazendo jus ao nome, o seu topo é formado por um longo campo suavemente ondulado, sem árvores e com algumas pequenas lagoas naturais que o gado se utiliza para a dessedentação. Plano e imponente, misterioso e desafiador, este campo alto com mais de 1260 metros de altitude parece mesmo que foi feito para se apreciar a paisagem abaixo, que se mostra ondulada e cortada pelo rio e arroios laterais, bordada aqui ou ali por algumas manchas escuras de matas de araucárias. Estar aqui em cima por algumas horas me transportou para outra dimensão, para outro universo que é aquele onde me abstraio de tudo e apenas sinto, cheiro, ouço e vejo o ambiente a frente com um apetite incomum, diferente de qualquer outro e querendo que estes momentos se eternizem de alguma forma. Como sei que isso é impossível, resolvi tentar eternizar este dia, escrevendo este relato. Assim posso reler algum dia e reviver a experiência única de subir o Morro Chato e apreciar, além da belíssima paisagem, um dos mais espetaculares jardins naturais que já encontrei.
Vista norte do Morro Chato, tendo a frente o Vale do rio Silveira, o Desnível do Rios e parte do telhado da Pousada Potreirinhos