O campo de inverno
vissVista geral do vale do Rio Silveira neste final de inverno, com seus campos parcialmente queimados.
Os campos nativos do nordeste do Rio Grande do Sul entram em uma espécie de descanso durante o inverno. As gramíneas param de crescer no final do outono, quando suas espigas já estão maduras e recheadas de sementes. A coloração das folhas e hastes vai ficando cada vez mais dourada indicando a morte da parte aérea da planta, transformando o cenário em um lugar único, parecendo que foi pintado de ouro. O gado, segundo os criadores, não come esta palha dourada e o campo fica com pouca oferta de pasto palatável, restando a alternativa de pastagem de inverno ou a redução do número de bocas no campo.
Horizonte norte no final de tarde, pintado com a fumaça das queimadas.
Nos locais com menos gado, o capim cresce mais e fica com hastes de quase um metro de altura, servindo para ocultar parcialmente as seriemas e totalmente as perdizes e perdigões, entre outros bichos do campo. Campo dourado é sinônimo de estação fria, e o gado, com menos nutrientes, sofre com o clima e busca abrigo nas matas da região, onde come pinhão e as folhas de árvores e arbustos para compensar. Para acelerar a rebrota de primavera, no final do inverno se procede a queima controlada dos campos, onde um fogo rápido passa e elimina a palha seca deixando uma rica cinza que, na primeira chuva, volta ao solo com seus minerais e outros nutrientes para servir as raízes que aguardam a hora do reinício do crescimento.
Campo dobrado e pedregoso só renova com a queimada
Estas queimadas são polêmicas e leis foram criadas para regulamentar a atividade. O certo é que, sem elas, o criador de gado não aufere os benefícios que o campo queimado pode oferecer, ficando muito “sujo” devido ao acúmulo de palha morta e dificultando a emergência da nova grama e de outras dezenas de espécies que vivem no campo nativo. Uma alternativa às queimadas é roçar o campo para retirar esta palha e outras plantas menos desejáveis, como maria-mole, carqueja e vassoura-branca. Este é um procedimento que exige mais investimento em trator, roçadeira, pessoal especializado e ter um campo não muito dobrado e sem pedras, o que não é nada comum por aqui no Vale do Rio Silveira, em São José dos Ausentes.
Após a rápida queimada, a palha e outras ervas abrem espaço para a rebrota do campo de primavera.
O certo é que, no inverno, o deleite do visual do campo dourado é único e encanta quem o enxerga pela primeira vez, parecendo mesmo que foi preparado para aquecer o espírito, numa época em que o frio assola e arrepia. Olhando algumas paisagens após as queimadas, parece que o fogo preferiu alguns lugares a outros, prometendo que no próximo inverno começará por estes últimos, que estarão com mais palha. A uniformidade não é uma prerrogativa da natureza e isso a torna interessante e muito distante das nossas ações mecânicas, iguais e planejadas que fazemos. Gosto do campo em qualquer estação do ano, em qualquer circunstância, parecendo mesmo que faço parte dele, assim como o fogo anual que há séculos vem lambendo as palhas secas para preparar o verde da próxima primavera.