Blog Andando por Aí

Preparando a nova partida

Borda do Cânion Monte Negro com a planície de Santa Catarina encoberta

Concluída a série de seis crônicas sobre as nascentes do Rio Uruguai, começo a me dedicar a um novo desafio. A tarefa de escolher o próximo trabalho é sempre muito diferente de escolher uma roupa ou um sabor de sorvete. De repente algo me aponta uma direção, um lugar e surge uma vontade incontrolável de ir, ver e escrever. Nesta ordem. Assim foi quando andei até a cidade argentina de Ushuaia, no extremo sul da Patagônia e do continente sul americano; ou quando passei um ano no Topo do Rio Grande, sendo testemunha das mudanças na paisagem nos campos do planalto nordeste de São José dos Ausentes; ou quando fui conhecer de perto o rio Camaquã, suas praias arenosas e as matas de galeria repletas de guabiju; ou quando apontei para o deserto do Atacama, no Chile, conhecendo de perto a aridez assombrosa daquele local cinematográfico; ou quando fui conviver com as aves migratórias da Lagoa do Peixe no nosso litoral sul.

Agora, parecendo que nada mais há para fazer, ver e registrar, surgiu outra luz apontando para um trabalho mais arrojado, mais longo e que há tempos amadureço. Quando coloco uma ideia na cabeça e mentalizo sua construção, as coisas vão se alinhando e colaborando para que tudo se arrume e convirja para que a solução se apresente clara na minha frente, as vezes de forma repentina e inesperada. Foi o caso deste novo trabalho, que eu tentava já há algum tempo encontrar uma forma de viabilizar e, num átimo, a solução pulou na mina frente. Eu namorava uma tapera que existe aqui em São José dos Ausentes e queria reformar a casa e viver nela por um período longo, sozinho, para poder sentir como é a vida solitária em um lugar isolado e registrar tudo em um livro. Esta é a ideia central. A tapera não prosperou mas surgiu a solução através de um casal de amigos que são proprietários de um container localizado em um lugar ermo, completamente isolado e com vista para o sul do cânion Monte Negro. Eles me ligaram dizendo que vão morar na Nova Zelândia e assim, naturalmente, propus a locação do imóvel que foi imediatamente substituído pela tapera.  

Borda co Cânion da Coxilha, a vista principal que terei durante o trabalho

O nome A Borda, para este novo trabalho, é uma clara alusão ao visual que tenho do lugar, como se eu estivesse empoleirado na borda do Planalto, olhando para o sul. Vou morar aqui, a natureza e eu, por um período ainda não bem claro, mas por pelo menos uns seis meses, quando vou produzir um material que se transformará em um livro sobre esta experiência. Será na forma de crônicas ilustradas – 25 ao todo, e que contarão o meu dia a dia por aqui. O container tem o conforto necessário para as agruras do isolamento e do clima severo da borda, como água de vertente, luz da rede e, para emergência, o Vagalume, meu equipamento solar que me proporciona luz e energia para carregar o notebook e o celular. Tem ainda uma cozinha, fogão a lenha, banheiro e uma cama. Fico distante cerca de três quilômetros da Estância Tio Tonho que será, como sempre, meu apoio para momentos de necessidade extrema ou para um papo com os amigos e um café da tarde com as delícias que só a Antônia sabe preparar. 

Preparem-se, portanto, para uma longa série de relatos de como é a vida por aqui, em detalhes do dia a dia. Meus companheiros mais próximos serão os graxains, as gralhas, seriemas e os gaviões. Optei por não ter um cachorro para justamente me aproximar mais da fauna nativa, apesar de resistir muito e gostar da companhia de um bom pelo duro. Mas o objetivo é uma imersão no mundo natural daqui, e o cachorro, assim como os javalis, bois e cavalos, não pertencem a este universo nativo. Aguardem.

logo retangular

Atenção:
É proibida a reprodução, total ou parcial, dos conteúdos e/ou fotos, sem prévia autorização do autor.