Blog Andando por Aí
As rochas e o tempo
A igreja de Canela é toda forrada com a pedra de basalto, típica da região
Nossa escala de tempo é medida em anos. Sabemos bem o que significa dois, cinquenta ou até cem anos, porque conhecemos a história recente e até pessoas com estas idades. Difícil é termos a noção do tempo geológico, que é medido em milhões de anos, uma escala inimaginável para nós, pobres mortais, que vivemos uma fração ínfima desta escala.
O Cânion Boa Vista mostra as camadas de derrames basálticos que formaram o Plnanalto
Canela e toda a região da serra gaúcha está assentada sobre uma rocha que forma todo o Planalto Sul-brasileiro onde estão assentados os Campos de Altitude, as matas de araucárias e as cidades da Região das Hortênsias. É a rocha conhecida popularmente como basalto, ou pedra ferro, a mesma que pisamos por anos nas calçadas e onde as rodas de carretas, cascos de cavalos e os pneus dos veículos atritam em blocos conhecidos por paralelepípedos, em muitas das nossas ruas. A catedral é revestida desta mesma pedra nativa e a história da sua origem remonta em um tempo muito atrás, naquela escala geológica que falei acima, de milhões de anos.
A Cascata do Caracol exibe a rocha basáltica no seu paredão
Estamos vivendo e interagindo sobre uma página muito significativa da história do nosso planeta. Estas rochas duras e cinzentas que vemos todos os dias sob a forma de calçadas, murros, casas ou pavimento de ruas, surgiram há mais ou menos 130 milhões de anos. Houve aqui, no sudeste do Brasil, o maior derrame de lavas do tipo basalto que se tem registro na história do planeta terra. Isso foi quando o grande continente que existia, começou a se fragmentar, criando no espaço que se formava, o Oceano Atlântico que acabou separando a América do Sul da África. Neste período houve cerca de 32 erupções de lava basáltica de regiões do sudeste do Brasil. Esta erupção foi tão intensa e a lava tão abundante que chegou até aqui onde moramos. Cada grande erupção levava cerca de 500 anos pra que a lava resfriasse completamente.
Calçadas de Canela feitas com a pedra basalto
Nos nossos cânions podemos ver uma parte desta história contada. Na foto que ilustra este texto, podem ser vistas linhas que separam pacotes de rochas, o que indica cada um dos derrames do passado. Sobre o último derrame iniciou-se o lento processo de desgaste da rocha, erodida pela água e pelo vento, culminando com a morfologia que conhecemos hoje. A história contada pelas pedras é intrigante, remontando ao tempo de grandes erupções vulcânicas em que vagavam pela terra os dinossauros, onde os pinheiros e xaxins dominavam as florestas.
Cânion Itaimbezinho com seus impressionantes paredões de basalto com mais de 700 metros de espessura
Olhar para uma araucária e para um paralelepípedo de basalto é olhar para um passado muito distante, quando o homem ainda não existia sobre a terra. Saber que as pedras que revestem a nossa catedral são tão antigas, tem tanta história nos seus cristais que, se pudéssemos interpretá-las, seria como um livro contando o que houve naquele tempo remoto, quando a África ainda era ligada a América do Sul. Poderíamos passar dias ou anos lendo sobre o passado do nosso planeta. De alguma forma elas, as pedras da catedral, fazem um esforço na tentativa de serem “lidas” através de seus veios, cores e texturas. Uma aula de história que foi cuidadosamente trabalhada, letra a letra, pelos pedreiros que as cortaram e colocaram em seu lugar, como que a formar uma frase longa e enigmática, desafiando-nos a entender o passado.