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Chamando chuva

Um belo dia de chuva na Estância Tio Tonho

Nestes tempos de seca, sonhei com um dia de chuva. A água cai com força, enxergo pressa nas gotas em chegar ao solo, algumas diretas do céu espatifando-se no gramado e outras escorregando por folhas e galhos das árvores driblando obstáculos vivos e cascas mortas. Parece que atendem um chamado da terra ecoado pela sede do torrão seco. Indignadas pela perda do precioso líquido, as nuvens esbravejam e riscam o céu com raios, relâmpagos e ensurdecem com trovoadas graves, como a dizer: “mando a água agora, mas a quero de volta depois”. Assim, num lento e invisível ciclo, esta mesma água que agora cai, logo voltará a estufá-las quando se operar a magia da evaporação impulsionada pelo calor do sol.

As gotas de chuva trazem fertilizantes da atmosfera e adubam os campos, lavouras e matas, limpam as folhas das árvores da poeira acumulada e trazem de volta ao solo as partículas que o vento arrancou da terra seca. Tudo que sobe, desce. De passagem, a água da chuva encharca velhos troncos e galhos que, com o peso extra, quebram e despencam limpando a árvore de seus braços mortos que, agora no solo, nutrirão fungos e um exército de famintos insetos e micro-organismos comedores de madeira. Na cidade a chuva é como uma vassoura viscosa e amorfa que se molda às entranhas das calçadas e ruas arrastando poeira, folhas, papel e lixo, elementos estranhos que serão carregados e depositados em algum lugar distante.

Tudo se cala durante a chuva, todos viram espectadores do fenômeno que, não fosse pelo seu mau humor de algumas vezes em que se transforma em tragédia, se constituiria num espetáculo sempre novo, diferente dos anteriores pelo horário, intensidade e temperatura. É como se a natureza parasse para reverenciar a água que desce das nuvens e vem hidratar a vida no solo.

Passada a chuva, surgem os sons naturais do lugar. Sabiá, saíra, tico-tico, gralha-azul, trinca-ferro, corruíra e até um casal de curicas se põe a cantar e buscar alimento. O som da água aumentada de súbito nos arroios se debate com pressa nas margens e rochas do leito escrevendo uma música suave e contínua.

Olhando para o céu agora vejo as nuvens mais ralas, livres da sua carga e indignadas, se desfazendo em fiapos permitindo ver o azul forte do céu com o sol forçando passagem e trazendo sua luz quente que, com sua força invisível, começa a puxar de volta a água derramada em invisíveis ondas ascendentes de vapor. Assim vai se completando o ciclo da água e garantindo a vida na sua plenitude. Na próxima chuva, pare tudo o que estiver fazendo e observe o espetáculo da chegada da água, o silêncio da fauna, o protesto barulhento e luminoso das nuvens perdendo sua carga líquida e fique certo de que tudo o que desce, de alguma forma ou outra, acaba subindo em algum momento posterior. É o ciclo natural das coisas, é o espetáculo de um dia de chuva.

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