Blog Andando por Aí
Inverno quente
Ipê-roxo ainda dormindo o sono do inverno
Há uns dias, meu amigo Marcos Gallas me sugeriu escrever sobre este inverno que parece um verão. Topei. Está mesmo um inverno atípico, sem frio em demasia e sem aqueles longos períodos de cerração, chuvisqueiro e frio de doer os ossos. Olhando a história climática da região sul do Brasil, vejo que este fenômeno de calor fora de época é cíclico e sempre esteve entre nós. Invernos severos, com neve e dias seguidos de céu encoberto, já tivemos e há uma repetição periódica destes frios extremos. Assim também, já tivemos invernos mais quentes do que o normal no passado recente.
Jasmim com intensa floração prescoce
O clima na terra é determinado por muitos fatores ambientais e os oceanos, por cobrirem quase três quartos da superfície do planeta, estão no centro deste complexo sistema. Águas mais frias do que a média no Oceano Pacífico, e lá vem sobre nós a La Ninha trazendo seca para o sul e enchentes para o norte. Se as águas aquecem mais do que o normal, vem o El Ninho trazendo para o sul aumento de chuvas e de temperaturas. Já tivemos, em 2016, o ano mais quente já registrado na história e foi devido a um severo evento El Ninho.
Vaso com manjericão que venceu as poucas e fracas geadas
Por isso gosto da natureza, ela não é linear, previsível, monótona. Seus saltos climáticos criam todas as formas de seca, enchentes, tormentas e furacões, fazendo com que as estações do ano se passem quase sempre uma diferente da outra, quando comparadas. As plantas e animais reagem a isso, assim como nós, ajustando-se e aproveitando ora o calor adicional, ora a água ofertada de modo incomum. Vejo aqui em casa alguns paradoxos criados por este inverno quente: os ipês ainda não despertaram, apesar do calor; a horta, que está aguardando a primavera para receber as alfaces, está repleta de outras ervas invasoras, oportunistas que são deste calor adicional; a pitangueira nunca teve uma florada tão intensa; o caquizeiro ainda dorme sem suas folhas; o pé de manjericão não morreu durante o inverno, fato inédito aqui; já comecei ouvir a coruja-orelhuda, buscando parceira para o acasalamento; o cravo-do-mato já floresceu. Tudo decorrente deste inverno quente.
Floração intensa da pitangueira, fora de época
Assim, o calor anormal é normal se olharmos a natureza como sendo comandada por ciclos produzidos pelas temperaturas maiores ou menores da grande, da gigantesca massa de águas dos oceanos que, podemos pensar, comandam o clima. Suas águas de superfície se aquecem com o sol, enquanto as mais profundas são mais frias e mais pesadas. Quando estas se elevam, devido as correntes oceânicas, a superfície resfria um pouco, e isso cria mudanças no clima, a que chamamos de La Ninha.
Cravo-do-mato já com flores
Entre La ninha e El Ninho, vamos seguindo aqui com neves, geadas, chuvas, calor, frio e uma bagunça climática que não respeita o nosso calendário de mesa, mas que obedece ao comando das correntes quentes ou frias dos mares. Sigamos assim, curtindo um verão chuvoso, um outono seco, um inverno quente, uma primavera fria. Certeza mesmo só tenho de uma coisa: que para cada xícara de arroz, duas de água. O resto é com os oceanos.