Blog Andando por Aí

Eu sou o esgoto

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É por aqui que eu escapo e me espalho nas calçadas e ruas, quando meus canos entopem

Na visão dos homens, sou repugnante, viscoso, fedorento, escuro e ando sempre, ou quase, pelos buracos e canos sob o solo das cidades, local onde sou mais famoso e abundante. Todos me evitam e sou tratado como um refugo, mas são eles mesmos que me produzem. Surjo como um indesejado e descartável subproduto dos corpos humanos, já que saio das células através dos seus intestinos, bexigas, narinas, da pele lavada nos banhos, das roupas e louças de suas refeições. Tudo acaba se encontrando nas fossas ou nos canos que me levam para as estações de tratamento, ou não, e me transformo num medonho líquido fétido que ninguém suporta ver e cheirar, causando muito transtorno nas cidades que ainda não aprenderam a me tratar adequadamente.

Como saio dos corpos e de outros locais associados aos humanos, sou orgânico e, portanto, faço parte do sistema natural, apenas que de outra forma. Há uma legião de organismos que me adoram, que de mim dependem e vivem muito bem se alimentando de meus compostos fedorentos. Os principais são as algas, fungos e bactérias que me transformam em outros produtos que são aproveitados na cadeia alimentar por plantas e outros seres.

esgoto1Nestes lugares eu fico parado e me decompondo em outros produtos

Quando sou produzido além da capacidade das tubulações subterrâneas, elas não suportam a pressão, entopem e tenho então que sair para a rua, para as calçadas e ali me espalho à vontade, como se estivesse me espreguiçando, cansado de andar espremido em canos estreitos. Isto cria transtornos na cidade porque, como disse, ninguém quer sentir o meu cheiro e não sou mais reconhecido como parte integrante dos corpos e atividades das pessoas.

Meu caminho natural é encontrar os arroios e rios para me diluir e facilitar a minha decomposição. Isto é assim desde que se criaram as cidades, há mais de dez mil anos. Hoje existem formas e tecnologias para acelerar o processo da minha degradação e impedir a contaminação de arroios. São as estações de tratamento que, quando funcionam adequadamente, resolvem muito bem o problema, uma vez que sou tratado em locais fechados, com produtos que aceleram a digestão dos meus componentes pelas bactérias e fungos, tornando-me um líquido bem parecido com a água do local onde serei largado, evitando a poluição.

esgotoDepois de reciclado, volto para rios como este

O que os homens não deveriam esquecer é que sou o que eles não querem, que saí deles e me sinto como uma parte da raça, desprezada e largada para a reciclagem. Se eu fedo, é porque este fedor saiu deles, mas sou desprezado por isto e pela cor cinza escura que vou adquirindo, diferente daquela de um rio limpo ou da água de beber. Esta é a minha sina, andar por bueiros e canos escuros e evitar de aparecer nas ruas e calçadas, e muito menos nos rios. Que culpa tenho?

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