Blog Andando por Aí

Minha bela Canela

 

Imagem da Catedral de Canela num amanhecer de primavera

Sou um pouco mais novo que tu, apenas alguns anos, já que nasci em 1951, no dia 15 de dezembro, e tu no dia 28 deste mesmo mês, em 1944. Somos, portanto, dezembrinos e nascidos em torno do Natal. Sempre tive respeito pelos mais velhos, ensinamento que me veio de casa, e não é diferente contigo. Lembro de anos muito distantes quando ainda éramos crianças. Eu, um piá que andava de tamancos e meias, e tu com tuas ruas calçadas de paralelepípedos ou outras ainda nuas, com terra, cascalho e muita poeira ou lama, dependendo do dia. Eu, indo para o colégio, atalhava pelos terrenos de muitas famílias, porque na época não havia muito este negócio de cercas e muros como hoje te impuseram, te cortando em pedaços cada vez menores e com casas cada vez maiores. Eu tomava água do poço que tu oferecias de teu seio negro e profundo, apoiado na sólida rocha que tudo suporta por aqui. Hoje esta água de beber vem de muito longe, lá do Rio Santa Cruz, porque nós contaminamos o teu íntimo. Sinto muita vergonha disto porque também eu, depois de beber da tua água pura que vertia no nosso poço, desprezei os princípios da sustentabilidade, caguei e mijei nas tuas fontes e nascentes. Um ato inglório para contigo, que tão bem me recebeu.

Eu, crescido já, tive que te abandonar e ir morar em outro lugar e te deixei por impossibilidade de ficar aqui, que era meu desejo. Fiquei 20 anos longe, mas sempre te visitando, te vendo, e te respeitando. Um dia voltei e novamente me estabeleci aqui, agora com meus filhos ainda bebês, assim como eu era na longínqua década de 1950. Consegui dar a eles a mesma chance que eu tive, de crescer contigo e te ver evoluir com todos os problemas e belezas que tens.

Hoje, na véspera do teu septuagésimo sexto aniversário, vejo-te não como uma velha, mas como uma jovem cidade com muita promessa de progressos e mudanças na tua urbe. Caminho pelas ruas e ainda vejo araucárias que são testemunhas do teu e do meu nascimento, e ainda estão espalhadas por alguns terrenos que resistem a uma urbanização irreversível. O Progresso está transformando muitos daqueles belos terrenos que outrora abrigavam casas para uma família, agora se despem de tudo, de toda a história armazenada quando são removidos casas, árvores, galpões, poços, calçadas e muros para abrigar um novo e gigantesco empreendimento para albergar muitas famílias. É a necessidade dos novos tempos: lugar de cinco ou seis, no passado, agora é lugar de dezenas.

Lembro que os fogões e lareiras baforavam fumaças com cheiros nativos de nó-de-pinho, grimpa, lenhas de vermelhinho, angico, cedro e cambuim que conferiam uma identidade olfativa ao outono e inverno. Hoje sinto apenas cheiros de lenhas de acácia, uva-do-japão ou eucalipto, todas madeiras vindas de muito longe. Os gramados eram cortados com foices e gadanhos, e rastelados com calma e maestria com os ancinhos e vassouras de guanxuma. Tudo em silêncio e dedicação dos jardineiros da época. Hoje há uma verdadeira gritaria de roçadeiras e assopradores que transformou nossa primavera e verão em um festival de sons irritantes e de fumaça mal cheirosa com a queima de óleo nos motores dos equipamentos. Foi-se a época dos jardins silenciosos quando o máximo de barulho que se ouvia era o do jardineiro batendo seu gadanho sobre a base de ferro para desentortar o fio quando este pegava uma pedra e fazia um dente. Era outro tempo.

Vejo também que ganhastes muitos parques e áreas de lazer que antes não eram valorizadas. Hoje, com muito orgulho, exibes teus atrativos para o mundo, tuas cascatas, teus vales, tuas florestas remanescentes, tuas sequoias, teus morros e teu ar, que ainda é puro, e o teu silêncio noturno, relíquias que devem te orgulhar e que resistiram ao tempo. Feliz aniversário, minha Bela Canela.

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