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O inverno e suas delícias

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Mesa pronta: capeletti, crem, queijo, focaccia e vinho

 

A estação fria do ano, e as vezes muito fria, começa pelo final de junho e segue até meados de setembro, gelando e molhando tudo aqui pela serra gaúcha. Quem mora em Canela e região, sabe bem dos encantos e transtornos que esta estação traz, com aquele seu humor muitas vezes azedo, ou quando se torna possível uma lagarteada ao sol, escasso e disputado, comendo aquela inesquecível bergamota que, além do sabor doce de seus gomos, empresta o perfume do óleo que se desprende de suas cascas, marcando mão e roupas por algumas horas, como se fosse essa a exigência da fruta: ser lembrada também pela sua essência aromática.

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Ossobuco e crem para servir de entrada, meio e saída

O encurtamento dos dias e alongamento das noites é uma das características marcantes desta estação, quando anoitece cinco e pouco e amanhece quase oito. As noites longas convidam ao convívio com o fogo doméstico, seja em uma lareira ou no fogão a lenha, acompanhado de uma irresistível sopa de capeletti com muito queijo ralado e boas porções de raiz forte (crem). Para compor este caldo mágico, eu frito um ou dois ossobucos numa boa quantidade de banha, deixo dourar dos dois lados, corto o anel de fibra ao redor do músculo para que não se deforme, e adiciono água com temperos leves. Aquilo ferve umas duas horas, sem pressa em uma panela grande até que a carne fique muito mole. Acerto o sal e algum tempero adicional ao caldo, retiro o ossobuco, corto a carne em pedaços pequenos junto com o precioso tutano, acerto o sal e reservo. Os pedaços dourados de massa recheados e fechados com maestria, todos iguais, mas levemente diferentes por serem feitos por alguma santa e habilidosa mulher italiana, são jogados no caldo e, enquanto coziam lentamente, a carne é consumida como entrada, encostada em algum queijo que tenha por ali e uns bons pedaços de uma focaccia feita a capricho e regado generosamente com azeite de oliva e crem.

InvernoOssobuco selado na banha

Pronta a sopa, hora de forrar o prato fundo com queijo, despejar o precioso líquido como o capeletti cozido no caldo mágico untado pelo tutano do ossobuco e saborizado pela carne. Queijo por baixo, caldo, queijo por cima e uma generosa colher de crem deixam o prato irresistível. Mais uma lenha no fogo, mais um pouco de vinho no cálice, e vou para o abate. Pedaço por pedaço, o capeletti se desmancha na boca liberando o sabor da massa e do recheio, o caldo acrescenta o sabor ancestral da carne e da banha, que se misturam numa alquimia indescritível enebriando o paladar e pedindo sempre mais uma colherada. A carne segue acompanhando bocados de sopa, como se exigisse a sua presença, uma vez que foi importante partícipe desta iguaria. Pedaços de focaccia, de carne e colheradas de sopa fazem uma festa que se complementa com a proximidade do calor do fogão a lenha, do vinho e da companhia.

Sem luxo nem ostentação, a noite de inverno com lenha, vinho, ossobuco, capeletti, focaccia, queijo e crem só fica melhor se lá fora estive com frio, cerração e chuvisqueiro. Aí sim, o quadro se completa. Salve o inverno e suas delícias. Semana que vem conto mais do inverno por aqui.

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