Blog Andando por Aí
O tom e o som da manhã
Amanhcer na Várzea da Branca, na Estância Tio Tonho - São José dos Ausentes.
Gosto de acordar antes do sol e ficar observando as mudanças de cores que se operam na paisagem e a sequência de sons novos que surgem com a luz. A beleza do momento se engrandece muito quando uma névoa surge no fim da madrugada e vai se imiscuindo pelos baixios e várzeas contrastando com o negro dos pinheiros que bordam o capão de mata, indicando para o campo o seu limite. O frio, que é companheiro das madrugadas, exige disposição e mate quente para trocar as cobertas quentes pela aragem do amanhecer, mas o espetáculo que se descortina a frente, na Várzea da Branca, aqui na Estância Tio Tonho em São José dos Ausentes, compensa qualquer sacrifício.
Vejo os matizes de branco da névoa que se arrasta com pressa, já que sabe que assim que o sol surgir, será extinta pelo calor. Ela se espalha o mais que pode e tem, nestas poucas horas do início da manhã, o seu reinado com seu manto branco e úmido, molhando tudo pelo seu andar silencioso. Alheias a este movimento branco e efêmero, as araucárias observam quietas a este desfile silencioso, já sabendo que o final deste espetáculo vai se dar com os primeiros sinais do calor do sol, que ainda está por surgir no campo.
Nas matas, campos, taipas e rochas expostas, há uma corrida para que os líquens, musgos, bromélias e outras plantas e pequenos animais aproveitam este nevoeiro para dele retirar um pouco de umidade e aplacara o rigor da seca desta estação. Todos bebem do generoso manto branco e, quando ele sumir, ficará retido pelos organismos em forma de gota do precioso líquido que o céu insiste em não enviar. O cheiro da manhã é formado por um conjunto de odores úmidos e adocicados que lembram terra molhada com leves traços de mel trazido pelas poucas flores da estação.
O silêncio da hora que antecede o sol é muito especial, só quebrado por algumas aves que já identificaram o início do dia. Seriemas, com seus gritos agudos sinalizam seus dormitórios e territórios; gaviões carrapateiros e chimangos já iniciam voos planados emitindo seus gritos característicos alertando as aves menores da presença dos predadores; o gibão de couro, a corruíra e a maria-preta já se posicionam para iniciarem a caça aos insetos, seu alimento preferido; bandos de corucacas já saem dos dormitórios e voam em formação na direção dos campos úmidos nas várzeas e margens dos arroios.
Sem vento, as árvores não se movem e apenas aguardam o sol para iniciarem sua fotossíntese, sintetizando assim o seu precioso alimento que irá repousar em algum fruto, semente ou folhas que serão consumidos por algum animal. No repouso da noite escura a mata e o campo são palco de alguma atividade estabelecida pela fauna do local. Os graxains circulam atrás de roedores e perdizes, os tatus escavam cupins e formigueiros, gambás rondam pelas árvores atrás de aves dorminhocas, corujas e curiangos caçam em silêncio com seus olhos especialmente desenvolvidos para enxergarem a noite. Todo este movimento cessa nestes poucos momentos que antecedem o surgimento do sol, fazendo com que estes animais notívagos se recolham a seus esconderijos cedendo lugar a fauna diurna. Finalmente o sol surge, espanta a nevoa e um novo dia começa. Dirijo-me ao galpão da Estância atrás de um delicioso camargo, uma bebida nativa de sabor inigualável formada pela noite – o café preto, e pela névoa branca do novo dia – o leite fresco. Assim o camargo se assemelha ao novo dia e me inspira para andar, ver, fotografar e escrever.