Blog Andando por Aí

A resina das araucárias

AraucáriaRemanescente da floresta nativa de araucárias. Ao fundo a Pousada Monte Negro, em São José dos Ausentes

No último dia 24 deste mês de junho foi comemorado o dia da Araucária, um evento criado por lei federal em 2005, uma data que poucos conhecem e/ou comemoram. Esta bela, distinta e emblemática árvore é um ícone da região sul do Brasil, espalhando-se principalmente pelas terras altas e frias do Paraná ao Rio Grande do Sul. Durante décadas, foi a mola propulsora da economia da região nordeste do nosso Estado, notadamente nos municípios de Canela, São Francisco, Cambará e Bom Jesus fornecendo com seus caules cilíndricos e de madeira nobre, as tábuas necessárias para a construção das casas dos primeiros colonos e, mais adiante, levada pelos trilhos do trem para o mundo.

Araucária3Araucárias no campo

Foi uma época curta e insana onde não havia restrições ambientais para a extração da espécie o que gerou, no início dos anos 1980, um alerta para a necessidade de inibir o corte indiscriminado das araucárias devido ao perigo de extinção. Passaram-se mais de 40 anos da criação da lei restritiva e o que vejo hoje, em alguns locais, é a recuperação magnífica de uma espécie que é considerada um fóssil vivo, já que existe há mais de 200 milhões de anos, mostrando-me a sua incrível resiliência histórica para povoar lentamente locais favoráveis, produzir pinhões e manter viva uma vasta cadeia alimentar que segue com ela pela história da nossa região.

Araucária2Pinhões para a cadeia alimentar e para nós

São Francisco de Paula promove anualmente, nesta época, a Festa do Pinhão onde se procura através de um grande evento social, difundir conhecimento sobre esta espécies, além de exibir um vasto repertório de receitas que envolvem esta preciosa semente – o pinhão. Nas nossas festas de São João o pinhão também participa como um item importante oferecido nas bancas, junto com o quentão e a pipoca. Isto me mostra como esta árvore sagrada é importante para a nossa cultura, com que generosidade nos oferece a possibilidade ancestral de saborearmos um pinhão assado nas suas próprias grimpas, ali no mato mesmo, sem nada nos cobrar. Com que prazer vejo casas feita com suas tábuas ornadas com nódulos cor de vinho, formados pelo corte dos nós de pinho parecendo mesmo enfeites que a madeira criou para distrair e encantar os donos da casa.

Araucária4Gralha-azul, ave muito importante na dispersão das florestas de araucárias

Sou neto e filho de madeireiros e meu avô paterno, Basílio Travi, era um dos tantos desbravadores destes territórios sagrados e dominados pelas araucárias lá pelos anos 1930 em diante. Meu avô materno, Ernesto Urbani não era madeireiro, mas consertava as máquinas a vapor que movimentavam as serrarias da época. Assim, um cortava e outro dava o suporte. Fui criado neste meio e morava em frente a um gigantesco depósito de madeira aqui no centro de Canela, cujo dono era o sr. Ludovico Corso. Ali chegavam as tábuas já serradas de inúmeros locais para beneficiamento e embarque no trem para seguirem destinos muito distantes.

Araucária1Final de tarde na Estância Tio Tonho, São José dos Ausentes

Nunca mais esqueci o cheiro da resina que vertia das tábuas recém cortadas e que eu catava nas fileiras das muitas pilhas desta madeireira para ficar brincando de amassar aquela bola cor de âmbar que se moldava facilmente entre meus dedos, ajudado pelo calor do corpo. Ficava com aquele pequeno bolo de seiva por dias, até ser perdido em lugar não sabido. Depois percebi que esta resina dourada que eu moldava entre os dedos, representava o esforço inútil da árvore de se manter viva, uma vez que é uma secreção natural que visa preservar a árvore de ataque de fungos e insetos naqueles locais onde sofreu um trauma. Os nativos já a utilizavam para acelerar a cicatrização de feridas, um precioso item da medicina campeira ancestral. A resina vertida não impediu o corte de dezenas de milhares de árvores pelos nossos antepassados, mas me mostrou que o poder que tem de cicatrizar o passado é mais poderoso e persistente, como o tempo. Talvez seja este o segredo que mantém a araucária no mundo há mais de duzentos milhões de anos. 

logo retangular

Atenção:
É proibida a reprodução, total ou parcial, dos conteúdos e/ou fotos, sem prévia autorização do autor.