Canela do futuro

Rio Santa cruz, um manancial que deve ser preservado.

Caminhando pelas ruas de Canela, esta minha querida cidade natal, vejo que há um avanço crescente e persistente de novos e suntuosos empreendimentos imobiliários, tanto turísticos como residenciais. Onde antes havia um terreno com uma casa, uma horta e até um pequeno pomar ou mata residual com araucárias, ipês, cedros e guabirobas surge um prédio com muitos apartamentos, lojas e pouca ou nenhuma testemunha verde do que fora aquele terreno. Sei que este é um dos caminhos do desenvolvimento de uma região que ficou famosa, ainda tem atrativos naturais e culturais em quantidade e se transformou numa meca para empreendimentos imobiliários. Penso que isso é assim e que pouco se pode fazer para impedir este avanço, mas vejo com preocupação algumas coisas:

Mais um tapume, menos casas, mais um predio. 

• Bebemos, há mais de sessenta anos, do mesmo rio Santa Cruz com sua água generosa e que nunca cansa de encher o Poço da Faca, de onde bombeamos o precioso líquido para as estações de tratamento na cidade;
• Cada empreendimento novo feito nos terrenos onde havia residências com um ou dois vasos sanitários, abriga agora dezenas deles no mesmo local, todos necessitando de água para suas caixas de descarga e local para escoar os dejetos;
• A energia elétrica também nos é fornecida pelo velho e bom Rio Santa Cruz que, antes mesmo do Poço da Faca, empresta volumosa quantidade de água para mover os rotores da usina do Canastra para gerar nossa tão necessária eletricidade;
• Nossos dejetos, que antes eram absorvidos pelas fossas e sumidouros, agora escoam em grandes volumes por dutos até alguma estação de tratamento, ou não, o que contribui para a contaminação de toda a bacia do arroio Caracol, nosso arroio icônico que atrai tanta gente para ver sua cascata. Por um daqueles desígnios da história, nossa cidade foi nascer justamente sobre as principais nascentes do arroio Caracol, deixando todos nós responsáveis pela sujeira orgânica e inorgânica que viaja por ele;
• Com a limitada quantidade de água que o nosso Poço da Faca pode fornecer, mais a capacidade das estações de tratamento em nos oferecer um produto confiável, penso que poderemos chegar num momento crítico de nossa história. Muita demanda, oferta limitada. Já estamos sentimos isso neste início de primavera por aqui, quando a pressão nas torneiras é instável e pífia, impedindo banhos, máquinas de lavar que ficam inoperantes, torneiras abertas apenas pingando nos dando um aviso crucial: vai dar merda!

Rio Santa Cruz no lago da barragem do Salto em noite de lua cheia

Temos aqui dois rios dos quais dependemos para nossa sobrevivência: o Santa Cruz, de onde geramos eletricidade e chupamos a água limpa para vivermos, e o Caracol aonde retornamos nossas sobras e excrementos, nossos suores e gorduras – nosso lixo urbano, enfim. Penso na importância que estes dois rios representam para Canela e fico vendo que poucos se dão conta que estes recursos naturais podem um dia se exaurirem. E aí? Não teremos água nem para abastecer uma nova obra, já que os poços das antigas casas, há foram fechados. O futuro de Canela passa muito de perto pela gestão da água. É relativamente fácil viver à luz de velas e lampiões, mas sem água não é possível. Cuidemos dela.