Blog Andando por Aí

Beira de rio

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Há poucas coisas capazes de me encantar tanto quanto um rio. Conheço alguns por este Brasil afora e cada qual com sua identidade, caudal, cor, cheiro e som. Já viajei, por dias, pelos rios Amazonas, Negro e Solimões com suas imensidões oceânicas. Vi o belo Tapajós e suas águas verdes e tomei banho no rio Papagaio, no Mato Grosso. Cheguei perto do degradado rio Tietê, em São Paulo e apreciei o rio Iguaçu e sua fabulosa catarata, na foz com o grandioso rio Paraná. Andei por vários trechos do rio Uruguai, desde a sua nascente até a foz com o rio da Prata, entre a Argentina e o Uruguai. Na região da Serra Gaúcha, aprecio os rios Santa Cruz, passando depois a ser o Caí, e o Caracol, com seu nascedouro na zona urbana de Canela e sua famosa cascata, seguida do vale da Lageana.

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Um outro rio foi tema de meu mais recente livro, o Silveira, de São José dos Ausentes. Ele tem uma particularidade em relação aos outros difícil de ser apontada, talvez por não ser apenas uma, mas inúmeras. Uma delas é o de poder apreciar o seu curso correr em calhas rasas pelo campo nativo de altitude, livre, fazendo aqueles desenhos na paisagem que desafiam a habilidade dos pintores a retratarem o quadro. Solto e ligeiro, escorrega pela negra rocha e vai abastecendo a biodiversidade, dele dependente. Outro detalhe é a sua água fria, transparente e carregada de vida. Peixes, crustáceos, moluscos, insetos, mamíferos, aves e esponjas vivem direta ou indiretamente deste longo corpo líquido que, ignorando obstáculos, cria contornos, voltas, cachoeiras e corredeiras, tornando-o único.

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Sentar, em um ponto estratégico, perto de uma corredeira e apreciar o movimento errático e barulhento provocado pela água caindo nos degraus irregulares do leito, vira uma canção de poucas notas, mas impossível de ser monótona. Identificar, com a calma de um naturalista, o seu significado para o ambiente em volta é gratificante. Garças, socós e lontras pescam; insetos e sapos fazem posturas nos remansos; libélulas sobrevoam e acasalam; borboletas lambem sal depositado nas pedras; o gado busca água fresca; carrapateiros voam, de uma margem a outra, em busca do gado para aproveitarem algum ácaro preso ao seu couro duro; um martim-pescador, empoleirado em um galho na margem, executa um mergulho certeiro e sai com um pequeno peixe preso ao bico, vibrando o corpo prateado na tentativa inútil de se livrar do predador; marrecas pardinhas nadam em círculos filtrando a água para capturar algum alimento, ariscas e levantando voo ruidosamente ao menor sinal de perigo; capivaras gordas andam lentas pela margem gramada ou, assustadas, mergulham nos poços profundos, sumindo da vista; um grupo de cavaleiros utiliza os rasos para cruzarem o rio, no ritual ancestral de um tempo sem pontes; árvores de branquilho estalam seus frutos secos com um som discreto, lançando suas sementes para todos os lados, inclusive na água, onde serão consumidas por alguns peixes. Assim vejo um rio, assim aprecio sua importância, assim absorvo suas lições.

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