Blog Andando por Aí
O pinhão e o outono
Pinhões maduros colhidos no solo
O outono é a estação do ano que cria expectativas quanto ao aparecimento de alguns sinais únicos deste período. Dias mais curtos, sabiás calados, goiaba-serrana madura, noites mais longas e frias, fogão à lenha novamente aquecendo a casa e a alma, queda das folhas do ipê-ouro e do cedro-rosa, floração do manacá-da-serra e da chuva-de-ouro e a debulha do pinhão, entre tantos outros
Este último, dado pela preciosa semente da araucária, é marcante para todos os serranos. As pinhas levam dois ou até três anos para amadurecerem e começam, no início de abril, a oferecerem seu dourado manjar em forma de pepitas alongadas. No começo, para os alados e escaladores, como o ouriço-cacheiro, a gralha, o papagaio-peito-roxo, a tiriba-da-testa-vermelha, o bugio e o macaco-prego.
Cascas de pinhões após serem comidos pela fauna
Estes, com acesso às pinhas no alto dos galhos, catam os pinhões e provocam a debulha, fazendo alguns caírem, servindo aos moradores do solo, como a cutia, pequenos roedores, a saracura, o veado-mateiro e outros. O vento também é aliado desta fauna de solo, quando balança os galhos e espalha o manjar por lugares distantes.
O homem, este ser incomum neste processo natural, consegue se servir tanto arrancando as pinhas das pontas de altos galhos, como catando pelo chão entre os espinhos agudos e secos das grimpas. Trabalho duro e perigoso, oferece uma renda extra para os proprietários de pinhais, sempre descontadas a parte consumida pela fauna e aquela subtraída pelos incautos catadores das sombras.
Pinha madura do pinheiro fêmea, onde estão os pinhões
Assado na chapa do fogão ou sapecado numa fogueira rápida, cozido na água, moído e misturado com uma boa linguiça ou charque numa paçoca, ou mesmo cru, durante uma caminhada pelo mato, o pinhão é o rei do outono. Há anos de fartura e outros de carência, de preço alto nos mercados ou tão barato que não vale nem a pena o esforço de ser catado e embalado.
O pinheiro é antigo e sua polinização é feita pelo vento. Os insetos, mais eficientes neste serviço, foram requisitados pelas plantas modernas e desenvolveram flores coloridas e cheias de néctar como bônus. As do pinheiro são sem atrativos visuais nem açúcares e isso explica a necessidade do vento para realizar a polinização, que é o transporte do gameta masculino do pinheiro macho até o pinheiro fêmea. A primavera é ventosa por natureza, e esta sincronia não é casual. Nuvens de uma farinha fina e amarela podem ser vistas vagando pelas matas nesta estação, depositando-se, aleatoriamente, por tudo e todos em volta.
Mingotes do pinheiro macho, de onde sai o pólen para fertilizar as pinhas
Quando um destes grãos de pólen chega ao destino – o óvulo, resulta, dois ou três anos depois, em um novo pinhão com um embrião no centro, rodeado de uma substância nutritiva, que servirá para o início da germinação. É como um ovo, ovo de pinheiro que, se depositado ao abrigo de dentes famintos, fogo ou insetos e fungos, germinará e nascerá uma nova árvore, podendo ser macho ou fêmea, tanto faz. O importante é a araucária seguir sua sina: produzir milhares de pinhões, alimentar centenas de famintos e garantir o nascimento de novos indivíduos para que a vida siga seu rumo.