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A coruja e o meliante
Coruja-buraqueira
A coruja é uma ave predominantemente noturna, apesar de haver algumas espécies diurnas, e é lembrada como símbolo de sabedoria devido ao seu olhar de observadora, astuta ou com a fama de agourenta quando emite seus cantos sinistros na escuridão das noites sem lua. Na verdade, estas aves são um bom exemplo de como a evolução dota os indivíduos de ferramentas para enfrentarem o ambiente, como o seu voo absolutamente silencioso devido a modificações nas penas das asas que evitam o atrito entre elas, a excelente visão noturna e uma audição invejável. Com estas armas que adquiriu ao longo do processo evolutivo, ela se tornou um dos principais predadores noturnos de pequenos animais, como roedores, morcegos, insetos diversos, e até outras aves. Silenciosa e precisa, enxerga e captura com suas garras um pequeno roedor no meio da vegetação de um campo ou banhado, ou entre arbustos de uma mata fechada na mais completa escuridão. Como rebeldes dissidentes de um mundo superpovoado de aves diurnas, as corujas adaptaram-se a viver no turno da noite, enquanto a maioria das aves dorme. Assim elas utilizam o mesmo espaço em turno inverso, e para isso mudaram os olhos, os ouvidos, as penas das asas e as técnicas de captura de presas.
Entre nós, humanos, também vemos este tipo de comportamento notívago naquelas pessoas que preferem a lua ao sol. São indivíduos que, por um motivo ou outro, por necessidade ou prazer, fazem da noite o seu dia. Como as corujas, dormem de dia e começam se movimentar pelo final do período e sentem-se no auge de suas energias lá pela meia noite.
Coruja-listrada
A coberta densa e negra da noite, por outro lado, é propícia a delitos, furtos e transações ilícitas e os meliantes tiram proveito da situação, assim como a coruja que surge sem ser percebida e captura suas presas no silêncio frio das matas e campos. O ladrão noturno não deixa de ser uma coruja, porque se serve também da escuridão para rapinar, apenas que a evolução não o presenteou com bons olhos para enxergar a noite, mas o dotou de uma forma silenciosa e sorrateira de caminhar e se esgueirar através das sombras, de se aproveitar de descuidos, tirando vantagem do breu. Assim como a mudança das penas das asas da coruja eliminaram o ruído durante o voo, o ladrão utiliza-se de movimentos sutis, silenciosos e sorrateiros para, a seu modo, sobreviver.
Podemos dizer que o ladrão é fruto da necessidade, do seu meio e de seu caráter, assim como a coruja é fruto de um lento e permanente trabalho da seleção natural que a beneficiou com ferramentas para caça e ocultação. A coruja e o meliante são frutos da evolução e da necessidade, apenas que o segundo rapina objetos e valores, que de nada serviriam a uma coruja, assim como a caça de uma coruja em nada ajudaria o ladrão. Mesmas técnicas, mesmos turnos de atividade e objetos e necessidades distintos fazem da coruja e do meliante produtos do meio.