Blog Andando por Aí
O contador de história
Contar a história de um local é tarefa para os velhos, por serem os detentores do conhecimento, testemunhas oculares dos fatos e, com a memória viva, trazem, com facilidade, datas e fatos ocorridos. Eles fazem, com muita maestria, uma reconstituição precisa de como e quando ocorreram os fatos de um determinado lugar. Para falar da história de Canela, convoco um morador longevo, ainda vivo e apto a relatar tudo, sem pestanejar. O personagem, em questão, é o Pinheiro Grosso, com seus mais de setecentos, oitocentos ou mil anos. Ele vai nos contar os acontecimentos dos últimos séculos na região.
“Olá, sou o Pinheiro Grosso, aquela araucária gigante localizada em um pequeno parque na estrada do Caracol. Estou enraizado neste terreno há centenas de anos e conheço a história desta região, trazida a mim, em capítulos, pelos ventos, chuvas, homens e as estações. Sei das coisas e vou contar algumas interessantes, entre tantas, para a comunidade onde me encontro. Há tempos havia, nesta região, uma grande floresta onde os pinheiros, meus irmãos, eram os dominantes. Suas copas verde-escuras, em forma de aranhas gigantes, tocavam-se formando tapetes de grandes extensões, cobrindo planícies, vales e morros. Em alguns lugares havia o campo, uma formação natural que aqui chegou primeiro. Nos pontos altos do terreno, aparecia, dominando a paisagem, com seu capim alto variando da cor verde ao dourado, com a mudança das estações. Nele viviam animais de todos os tipos, sempre associados aos frutos, folhas e sementes não encontrados na mata.
Homens antigos, chamados de índios, habitavam tanto no campo como dentro das matas, onde encontravam o pinhão, a minha semente, que os alimentava no inverno. Os bichos também sabiam aproveitar as oferendas das matas, pois delas dependiam para sua subsistência. Depois, lentamente, vieram homens diferentes, com outros hábitos e ferramentas e, com elas, cortavam as árvores, das quais faziam suas casas e fogueiras. Eles foram aumentando em número e, como necessitavam de local para plantio do milho e feijão, inexistentes nas matas, abriam clareiras em lugares novos, a cada lua.
Depois, vieram outros homens. Estes não plantavam, mas cortavam apenas as araucárias para fazerem tábuas, logo levadas para longe. Abriram estradas para deslocar esta preciosa madeira e surgiram alguns núcleos de moradores, logo se estabelecendo e criando famílias. Aumentava sempre o número destes novos homens, e desapareciam aqueles dos matos. Tudo se modificou e hoje, ao contrário de tempos atrás, há muito mais casas, ruas, carros e pessoas, em relação aos campos e florestas. Assim surgiu Canela, uma nova cidade com novos moradores eivados de esperança num futuro promissor. São novos tempos, mas eu, por alguma soma de fatores positivos, escapei de raios, fogo, machado e serra e continuo vivendo com minha pequena floresta de entorno, no chamado Parque do Pinheiro Grosso. Ainda sou fértil e continuo produzindo pinhões oferecidos anualmente aos bichos e gentes, como filhos queridos. Sei da minha responsabilidade de testemunha da história e, enquanto viver, continuarei contando os acontecimentos para as gerações futuras saberem do passado, tão importante para o futuro, como o presente.”