Blog Andando por Aí
Colher e comer
Cogumelo Portini coletado em dezembro de 2020 numa mata de pinus
Os cogumelos podem despertar medo, curiosidade, indiferença ou uma irresistível atração por apreciadores de uma culinária mais raiz, daquelas do tipo “procurar, colher, preparar e comer”. Os melhores cogumelos para esta festa gastronômica são os famosos Lactários, de cor alaranjada e inconfundível pelo “leite” que vertem quando se quebra um pedaço do seu chapéu, e o Porcini, o campeão em textura e gosto silvestre. O exercício de andar pelo mato à cata destes cogumelos é um dos grandes prazeres que eu tenho, e dedico bastante tempo para isso na safra destas iguarias. Como não são cultivados, devido ao complexo sistema de relações que eles estabelecem com as árvores, só podem ser encontrados na natureza dentro ou nas bordas das matas de pinus, sua árvore parceira. Desta forma, andar na floresta com suas linhas de árvores plantadas e quase todas do mesmo tamanho e diâmetro, pode ser um exercício aborrecido e sem atrativos após alguns minutos, devido a monocromia e o silêncio observados no seu interior.
Mas quando o foco não é a floresta e suas árvores iguais, e sim aquilo que brota do chão, a coisa muda radicalmente. Eu ando com os olhos atentos a presença de qualquer coisa que destoe do tapete dourado formado pelas milhares de folhas dos pinheiros. Uma elevação no chão pode indicar um cogumelo tentando se livrar das folhas para sair e liberar seus esporos, indicando seu local com precisão. Sua cor o torna um pouco camuflado com as folhas dos pinheiros, exigindo um olhar atento e uma caminhada lenta pelos corredores de árvores sempre aproveitando, em segundo plano, os poucos sons que vagam pelo ar, podendo denunciar uma pomba, um bando de gralhas ou um carancho voando acima das árvores. Estas matas são, quase sempre, muito silenciosas e destituídas da fauna que habita os campos e matas nativas próximas, permitindo que se ande por muitas horas em um silêncio muitas vezes só cortado pelo vento agitando as copas ou fazendo fricção de uma árvore com outra, criando uma sinfonia sinistra em dias de cerração.
Mas a emoção maior é quando eu encontro um exemplar gigante de Porcini, ainda jovem e branco por baixo, indicando o ponto perfeito para ser colhido e consumido. Em casa a festa é garantida, sendo que posso preparar uma omelete, um risoto, um grelhado com queijo ou um simples refogado com alho, manteiga e óleo. O prazer desta caça ao cogumelo é algo que me move todos os outonos para estas florestas, mas este ano de 2020, com todas as anomalias que ele já nos mostrou, mudou também para a primavera a época de coleta farta. Nunca tinha colhido Porcini nem lactários fora do outono, mas 2020 é mesmo um ano anômalo e mostrou que tudo é possível, até fazer estes cogumelos outonais aparecerem pouco antes do Natal.