Blog Andando por Aí
Um arroio no interior de uma monótona plantação de pinus permite a diversidade da vida vegetal. Musgos, gramíneas e samambaias disputam o pouco de barrancas que oferecem condições mínimas para o desenvolvimento.
Parceiro ancestral da humanidade, atávico e com uma sinergia mais antiga do que aquela que estabelecemos com os cães e gatos. Até hoje é fundamental na culinária, no aquecimento das casas, como uma companhia numa lareira ou em um fogo de chão de galpão ou acampamento. O fogo é o cara!
Araucárias imponentes exibem-se na borda da mata
Tenho acompanhado a grande polêmica que se estabeleceu em torno da cedência de parte do Parque do Palácio à iniciativa privada, para que ali seja erigido um centro de eventos e um hotel. Conheço bem a área deste parque e aprecio o seu caráter ecológico único, uma mistura bem dosada de Campos de Altitude com uma bela mancha residual de Mata de Araucárias. Este cenário, já muito raro nas zonas urbanas dos municípios serranos, constitui-se em um verdadeiro relicto, como são denominados aqueles lugares incomuns, com vegetação remanescentes de ações humanas ou de degradações naturais e de grande valor para a biodiversidade. Já vi ali dezenas espécies de aves que são daqueles ecossistemas, como a maria-faceira, a seriema, o gavião-carrapateiro, o gavião-tesoura, o urubu-de-cabeça-vermelha, a perdiz, os papagaios e tiribas empoleirados nos pinheiros, o sabiá-do-campo, o sabiá-laranjeira e o sabiá-do-banhado, o tatu-galinha, a preá, o lagarto-do-papo-amarelo e uma dezena de outras espécies que podem ser vistas, ouvidas, fotografadas e conhecidas durante alguma caminhada ou permanência ali durante algum piquenique no campo.
O açude que faz a divisa sul da área é outro local de grande diversidade e beleza, vivendo ou passando por ali aves aquáticas, como a marreca-pardinha, o bem-te-vi que pesca lambaris, o biguá que pesca carás, além do casal de ganso-sinaleiro que ali foi introduzido. Este corpo de água calma é alimentado por nascentes que estão muito próximas, vindas dali do condomínio Quinta da Serra. Água que deveria ser pura, recém brotada da terra, passa por ali e segue para o arroio Caracol, seguindo até o Rio Caí.
Campo nativo, uma preciosidade dourada que pavimenta o parque
A divisa norte, onde tem o acesso público, tem uma cortina de pinus, este pinheiro exótico plantado ali possivelmente para criar um anteparo natural em relação a rodovia movimentada da frente do parque. É a única parte do parque que está fortemente antropizada, sendo possível fazer ali uma ação corretiva de substituição da vegetação exótica com espécies arbustivas típicas, nativas do ecossistema original de campo, bem como fazer remoção seletiva dos pinus que se desenvolveram no campo.
Gosto do Parque do Palácio por que ele me remete a natureza, sua calma, luz, cor, sons e cheiros. É um espaço que me acalma e me deixa conectado, como deve ser quando estou em outros locais naturais remotos. Plantar ali um centro de convenções será como quebrar a harmonia, semear a cizânia no ambiente natural, desviar a energia que flui por ali e que torna, mesmo que por algumas horas, o homem apenas um dos elementos da natureza. Assim vamos nos afastando do pouco que nos resta da energia do ambiente natural, fazendo com que, sempre que necessário, tenhamos que sair para muito longe do centro urbano para buscarmos este presente de reconexão de energias com o elemento natural.
Um parque para reconecção com a natureza
Gosto do Parque do Palácio por estar localizado no centro da minha cidade natal, um verdadeiro diferencial natural de incontestável valor paisagístico e ecológico, um ícone de beleza, um raro trecho dos campos nativos que já tão pouco existem no nosso Planalto. Talvez, para muitos, hoje o Parque pode ceder pedaços para que ali seja erigido algum empreendimento, mas o futuro vai nos cobrar caro esta cedência. Temos a grande chance de mantermos uma preciosidade natural que desconheço existir em outra cidade, uma área de usufruto da comunidade e que necessita de cuidados e investimentos, não de gastos. Investir numa área natural para mantê-la melhora a autoestima do cidadão e valoriza a vida na sua essência: o contato com o natural, tão necessário para nós como o são a água e o sol. Quando nos desconectamos da natureza, por motivos diversos, perdemos aquela capacidade de apreciar o elemento natural na sua forma mais pura, sem a necessidade de agregar nada a ele. Quando isso acontece, fica fácil modifica-la para se adaptar a uma necessidade humana.
Sua majestade a fêmea de araucária conhecida como Pinheiro Grosso que, mesmo com mais de 700 anos, continua produzindo pinhões.
As araucárias são estes magníficos pinheiros relativamente comuns na paisagem urbana e rural do município de Canela e de toda a Região das Hortênsias. São como guarda-chuvas revirados pelo vento, exibindo seus galhos invertidos para cima com suas copas únicas num entrevero de galhos se entrecruzando como que abraçados uns nos outros, formando um cenário verde escuro que só pode ser vistos aqui no sul do Brasil, nas terras altas do planalto do Paraná ao Rio Grande do Sul.
Sua valiosa madeira serviu de moeda no início da colonização da região e foi explorada quase ao extremo, colocando a espécie em níveis críticos de extinção. Hoje está protegida por lei e vai sobrevivendo em áreas mais remotas onde é responsável por alimentar uma vasta cadeia alimentar de animais que dependem de suas sementes – o pinhão.
Sobrevivente de uma época em que os dinossauros vagavam por aqui, estas magníficas árvores encantam pela sua forma única, com seu tronco cilíndrico, alto e com galhos apenas no alto. O pinheiro sempre esteve na minha memória. No terreno da casa onde nasci na Rua Dona Carlinda aqui em Canela, ainda existem duas grandes araucárias que, quando era criança, estavam lá e já as achava gigantes. Hoje ainda estão lá majestosas e parece que o tempo não às afetou. Elas estão 60 anos mais velhas, assim como eu, e parecem iguais. Eu já comecei a diminuir de tamanho e elas continuam crescer, indiferentes as mudanças da cidade, ao dono da casa ter mudado e muitas de suas parceiras terem sido removidas. Parece que os pinheiros são imunes ao que nos afeta diretamente: o tempo. A escala temporal deles é de centenas de anos, e a nossa e dezenas. Esta é a diferença. Quando entramos no ocaso da vida, pelos setenta, oitenta anos, elas estão entrando na sua juventude. Imagino o nosso Pinheiro Grosso, do Parque Municipal, com seus setecentos anos, um verdadeiro testemunho da história da cidade e da região. Ele viu os índios Coroados coletarem pinhões, fazerem suas casas subterrâneas, criarem filhos, migrarem, morrem e nascerem por inúmeras gerações. É possível até que algum índio tenha subido em seu tronco para apanhar algumas pinhas dos galhos, já que é uma fêmea e até hoje produz sementes. Ele foi testemunha de secas, enchentes e incêndios nas matas e campos próximos e mesmo em seu entorno. Por algum truque ou sorte, escapou do fogo quando ainda pequeno e vulnerável e se tonou alto, forte e com casca grossa o suficiente para suportar o fogo rápido das queimadas posteriores. Viu chegarem os primeiros fazendeiros, os colonos, os madeireiros e a estrada de ferro. Algum milagre o livrou das serras e machados dos anos da exploração dos pinheiros que durou até a segunda metade do século passado.
A mata onde está o Pinheiro Grosso é de uma grande diversidade e integridade ambiental
Como um único filho restante de uma família numerosa, o Pinheiro Grosso de Canela deve olhar em volta e sentir uma angústia apertada por não ver seus irmãos de genética com a mesma idade e, ao contrário, enxergar muitas coisas novas e de um brilho diferente, que crescem até um ponto e estacionam, abrigando no seu interior pessoas que se parecem com aqueles índios de outrora, mas que tem outros hábitos e são mais agressivos com suas ferramentas novas e mudam muito as coisas onde se instalam, contrariamente aos outros. Fica imaginando quanto tempo ainda vai poder procurar antes de tombar e se reduzir a centenas de nós-de-pinho, a sina das araucárias.
A beleza do branco em composição com o azul, forma uma figura ímpar do casal de ganso-sinaleiro no açude do Parque do Palácio, em Canela, RS.
O Parque do Palácio é uma ilha verde, azul e dourada no meio da cidade de Canela. Preservar é imperativo.
Toda a beleza de um lugar chamado Cânion Monte Negro, em São José dos Ausentes, RS.