Blog Andando por Aí
A visão de uma mata nativa de araucárias é uma das coisas mais impressionantes e gratificantes. A densidade e a imposição das copas acima das outras árvores mostra que, mesmo mais primitivas, ainda se impõem na paisagem. E o contraponto do campo dourado de inverno, termina de pintar o quadro.
Ferro e madeira para cercar, subjugar, prender.
O banco, triste pelo abandono dos humanos, chamou os musgos e líquens para lhe fazer companhia.
Fatias de caqui, maçã e cogumelos já desidratados e prontos para armazenamento
O sol é severo, benevolente, aquece, vitaliza, seca, colore, ilumina e anima. Este astro vital para a vida risca o céu diariamente, iludindo que se move enquanto, na verdade, nos espreita enquanto andamos. Joga sua luz como uma tinta que a tudo alcança e matiza naquelas horas em que ficamos virados para ele, suplicando e sorvendo a sua energia vital.
No verão ele se mostra mais intenso, fica mais tempo conosco devido ao alongamento do dia, aquecendo tudo e alegrando a estação. No inverno, com os dias mais curtos, sobe mais para o norte e manda menos luz e calor para cá, fazendo com que mergulhemos em invernos frios e com noites longas.
Aqui na terra o sol é aproveitado pelas plantas para fazer a fotossíntese, o que nos garante o alimento em toda a cadeia alimentar. Nós o aproveitamos, entre tantas coisas, para aquecer água nas residências e indústrias e gerar eletricidade em equipamentos instalados nos telhados das construções que, outrora, apenas serviam para abrigar a casa contra sol, chuva e vento.
Pela sua capacidade de aquecer e produzir a evaporação da água, o mesmo processo que faz nas plantas e que garante a circulação através dos tecidos, resolvi fazer um equipamento para secar frutas e cogumelos. Com o auxílio preciso, dedicado e profissional do amigo Leonardo Vacari e suas habilidades de marceneiro, foi construído um secador solar (foto) para este fim. Utilizei madeiras sobradas aqui de casa e uma tampa de plástico transparente conseguida na vidraçaria do amigo Fagundes para a porta. Pintei de preto fosco por dentro para que a luz e o calor fossem absorvidos ao máximo, e comecei secar coisas.
De olho na metrologia, já que preciso de no mínimo dois dias de sol, colhi cogumelos comestíveis e iniciei o processo, ajustando aqui e ali, aprendendo como lidar com o equipamento, já que era minha primeira vez a fazer isso. Acertar o ângulo de inclinação da caixa, deixar as aberturas para entrada do ar frio e saída do ar quente, controlar a condensação na tampa e testar os cogumelos para ver a sua umidade foi o roteiro a que me submeti durante dias. Consegui secar cogumelos com um grau de umidade que garante sua conservação por longo período e assim assegurei a safra, que este ano está farta e longa.
Caixa desidratadora feita de madeira, plástico e tela
Não contente, resolvi secar frutas da época e comecei com a maçã, abundante e barata neste outono, já que safra foi generosa. Escolhi, lavei e fatiei três quilos por vez e consegui bons resultados em dois dias de sol pleno, o mesmo tempo necessário para os cogumelos. Já fiz várias bandejas de maçãs que consumo durante o dia em diferentes horas e circunstâncias. Testei o caqui branco, aquele sem sementes, e o resultado foi surpreendente. O sabor concentrado das frutas, o gosto dos açúcares realçados pela pouca água enche de prazer a boca, gerando uma intensa salivação que vai restituindo um pouco da água arrancada pelo sol. Ao mascar as fatias de maçã ou caqui e misturá-la com a saliva, uma polpa vai lentamente se recompondo na boca e oferecendo sua essência e sabor, mostrando que a água retirada pelo secador deixa nas fatias da fruta o essencial, guardando o melhor para ser ingerido com calma e a qualquer hora. Bom para levar em saídas de campo.
Os cogumelos também respondem a este processo e ressecam rapidamente escurecendo um pouco e guardando, assim como o caqui e a maçã, sua essência nas dobras e meandros dos seus tecidos. Sinto um perfume incrível de chocolate nos cogumelos secos, um cheiro forte que segue pela casa e nauseia alguns e inebria outros, como eu. Colocados em água por uma ou duas horas, se transformam em tiras hidratadas de um manjar que pode ser parceiro para um risoto, um patê ou escorar uma boa omelete. O sol sempre nos oferece a possibilidade da vida, do alimento e da alegria.
Máquina de extração de petróleo na Patagônia austral, Argentina
Nos últimos dias de maio deste ano de 2018, aconteceu a famosa greve dos caminhoneiros pelo Brasil inteiro. Tudo começou a parar nas estradas e, por consequência, nas cidades o combustível sumiu das bombas e nos mercados a ausência de algumas mercadorias mostravam gôndolas vazias, fato que desencadeou um comportamento pouco conhecido das pessoas: o pânico de ficar sem comida e combustível. O medo de ter um carro com o tanque vazio para uma necessidade e a falta de hábito de andar a pé, o receio de um desabastecimento de comida e outros itens, criou corridas inimagináveis aos postos de serviços quando o pouco combustível liberado, chegava.
Durante a greve eu andava à pé pela cidade, assim como muitos outros canelenses, e sentia o ambiente mais leve, o ar mais limpo, o barulho menor, o movimento de carros como se fosse um domingo de manhã e pensava que se, ao invés de ter sido uma greve o fator desta parada, fosse devido ao colapso do petróleo e que ele, der repente, tivesse mesmo chegado ao fim, esgotado pelo excesso de exploração e as plataformas marinhas sem sugar um galão sequer, os poços terrestres secos e parados por falta do negro, viscoso, fóssil e fedorento petróleo. Como seria nossa vida?
Imagino o preço a que chegariam os derivados com o pouco que ainda tinha nos estoques das refinarias e nos gigantescos petroleiros ainda em trânsito pelos mares do mundo. Teríamos que buscar urgente uma alternativa, ou não teríamos como comer, andar rápido, distribuir toda sorte de produtos que necessitamos diariamente e que não nos damos conta que tudo vem sempre em algum caminhão, barco ou avião que necessitam de combustível derivados do petróleo. De uma forma ou de outra, estamos sendo forçados a encontrar uma saída para este dilema da dependência do petróleo, e já se observa que muitos países estão adotando medidas sustentáveis visando a substituição dos carros movidos a derivados do petróleo por silenciosos, limpos, elegantes e ainda caros carros elétricos. No Brasil este processo ainda engatinha.
Sempre foi assim, e sempre será. Quando nos encontramos numa situação limite, buscamos as alternativas que, nesta hora crítica, passam a ser consideradas em função do custo e da necessidade. Tudo que seja mais barato, parece melhor, mas isso pode ser uma falácia. Por ser abundante e barato, o carvão foi muito explorado na Europa, mas enegreceu as cidades com seu resíduo sombrio e volátil que se espalhava de cada chaminé de casa ou indústria. Com o petróleo, foi o mesmo. Abundante e generoso em se desdobrar em mil derivados e produtos, foi o rei dos insumos e transformou o mundo com sua aparentemente inesgotável fonte de energia barata, transformando-se em gasolina, óleo diesel, gás e um grande números de outros derivados.
O preço deste energético fóssil, que dormia no subsolo de diversas partes do planeta, é o que vemos hoje, com nossas cidades entupidas de carros, poluição atmosférica no limite em algumas cidades, uma incontável quantidade de plásticos de diferentes tipos a se espalhar por terras, rios e mares como se fossem restos de um grande cadáver que se recusa a se decompor.
Se comparamos o petróleo com a eletricidade, outra fonte de energia, vemos que esta última começou a ser utilizada em escala maior já em 1875 na França, quando máquinas a vapor tocavam geradores elétricos para abastecer a iluminação pública. No Canadá, um ano depois, foi instalada a primeira hidrelétrica aproveitando-se o potencial das águas das cataratas do Niágara. O petróleo teve seu primeiro poço perfurado no Azerbaijão em 1846. Na América, o primeiro poço comercial perfurado foi no Canadá em 1858 e nos EUA, em 1859. O Brasil descobriu petróleo na Bahia apenas em 1939. Como vemos, eletricidade e petróleo começaram a ser utilizados comercialmente pela humanidade mais ou menos ao mesmo tempo, e o petróleo ganhou desempenho maior em algumas áreas e a eletricidade em outras, como se tivessem combinado uma certa distribuição de tarefas. Agora parece que estamos de olho mais nos benefícios limpos e silenciosos da corrente elétrica frente ao esgotamento e impactos que o petróleo tem causado ao nosso planeta.
Parece que o petróleo não gostou muito de ter sido despertado e retirado de seu sono profundo no interior da terra e, como retaliação, emporcalhou o planta com seus resíduos que, outrora, dormiam em segurança no solo profundo.
Peninsula Valdés, onde a Patagônia encontra o oceano Atlântico
A Península Valdés é um local de grande cocentração de fauna maria e patagônica.
Tida por monótona e hostil, plana e sem atrativos, dominada por ventos fortes e com pouca água, a Patagônia é um amplo pedaço de terra que inicia ao sul de Buenos Aires, quando acaba o Pampa, e se estende até a ilha da Terra do Fogo, no final do continente Sul Americano. Na Argentina este ambiente, com mais de 4 mil quilômetros de extensão, limita-se a leste nas costas do Oceano Atlântico e acaba, a oeste, ao pé da Cordilheira dos Andes. Planícies semiáridas, vales, desertos, savanas, rios temporários e permanentes, lagos doces e salgados, salinas e uma fauna muito particular compõem este cenário único, que ora se assemelha a uma savana africana, ora com o cerrado brasileiro.
O verde aqui é raro e quase sempre presente em beiras de rios ou fundo de vales mais úmidos, devido a maior presença da água e ao abrigo do vento. O tom é dado pelo solo em muitos lugares, e as cores diversas são emprestadas dos minerais que foram expelidos pelos vulcões no passado e mesmo no presente. Estas diversas rochas, cinzas e cascalhos compõe quadros dignos de molduras. Vários tons de vermelho, preto, areia, marrom, verde e cinzas compõe a paleta de cores daqui. O vento, grande modelador da paisagem, se encarrega de agir como um pincel sem escrúpulos e vai espalhando sedimentos e cores em camadas para lá e para cá, para cima e para baixo criando as mais interessantes abstrações.
O preto absoluto, como se carvão fosse, mostra as entranhas da terra vomitadas por vulcões em determinadas áreas. Noutras o expelido é formado por camadas de cinzas de dezenas de metros, mostrando a ira do nosso planeta em tempos passados. O azulado, em alguns poucos lugares, denuncia a presença de minério de cobre e torna a paisagem mais surreal ainda.
A vegetação assume cores do verde, passando pelo marrom até o preto. Isso mesmo, algumas plantas são negras e chamadas, por isso de “mata negra” sendo isso uma adaptação a vida neste ambiente extremo. Parece mesmo que a vegetação foi queimada.
A grande ilha da Terra do Fogo tem paisagens fantásticas, com cores e texturas que lembram um quadro.
Contrastando com estas cores de flora e areia, de rochas e de vales secos e dourados, observa-se em alguns lugares grande depósitos de seixos rolados, aquelas pedras lisas e pequenas que gostamos de pegar em beiras de rios e rolá-las entre os dedos pela sua textura agradável e o tilintar do atrito entre elas. Estes depósitos gigantescos de cascalhos multicoloridos foram formados durante as glaciações em tempos remotos, quando grandes massas de gelo se deslocavam pelos vales moendo e polindo as rochas do caminho. Quando o gelo derreteu, ficaram os cascalhos multicoloridos empilhados, mostrando que vieram de rochas diferentes para enfeitar os barrancos e vales de rios do presente. A patagônia é mesmo uma terra de grandes contrastes e de belezas extremas, além de ser um local hostil a vida, exigindo de quem aqui vive ou passeia, adaptações especiais para resistir ao vento severo, a pouca água e as temperaturas baixas. As cores, alheias a estes fatores extremos, exibem-se como se imunes fossem e emprestam um pouco de matiz ao ambiente, querendo amenizar um pouco a severidade local. A paleta de cores da Patagônia desafia tudo e todos, inclusive o rei absoluto daqui: o vento.
Planícies sem fim se tornaram ideais para crição de rebanhos de milhares de ovelhas
Glacial Perito Moreno, em El Calafate, Argentina
Este líquido transparente e fluido que circula pelo planeta, sem fronteiras, mas com regras definidas, é quem permite a vida como a conhecemos. Sem água, sem vida. Com um corpo amorfo, molda-se sem constrangimento ao lugar aonde se encontra, seja em forma de uma gota na ponta de uma folha, prestes a ser trazida para o solo pela gravidade, seja pela forma plana de um lago de montanha que preenche uma depressão do terreno, ou com o aspecto mutante de um rio, ou como vapor, enfeitando o azul do céu com seus desenhos aleatórios de nuvens brancas e efêmeras ou densas, escuras e ameaçadoras carregadas de chuva, granizo e descargas elétricas.
A força que a gravidade exerce sobre todos na terra é a responsável pelos movimentos dos rios, que são puxados dos lugares mais altos de montanhas, planaltos ou serras, para os lugares mais baixos até o nível zero de altitude, que é o mar, onde todos os rios sucumbem. Neste caminho, da nascente à foz, a água de um rio se converte em testemunha da geografia do local. Expulsa pela pressão das entranhas da terra, a água de uma nascente vais saindo da escuridão de cavernas e reservatórios subterrâneos, onde pode ter passado milhares de anos e, quando finalmente sai para a luz, começa uma corrida cheia de obstáculos formados por cânions, rochas, troncos, barrancas e mais o que se contrapõe no caminho e que a gravidade deverá ajudar a transpor. Assim a água vai seguindo o caminho marcado pela via mais fácil, ditada sempre pela lei de contornar ou empurrar os obstáculos quando eles se apresentarem. Isso determina a forma irregular dos rios, com curvas e meandros que, para a engenharia humana pode ser inimaginável. A linha reta na natureza é desprezada em detrimento da sinuosidade. Um rio retilíneo seria um aborrecimento, como uma estrada longa e sem curvas. Uma curva de rio indica que ali ele teve que contornar um obstáculo, e achou a melhor forma, pelo caminho único que o levaria ao mar. Olhando-se um mapa com o desenho de um rio, percebe-se bem os meandros, voltas e contravoltas que a água teve que explorar para achar a saída. É como um labirinto que, ao final, chega ao mar.
Rio Camaquã, na localidade do Paredão.
A vida é muito semelhante a um rio. Nascemos pequenos, frágeis e vulneráveis. Aos poucos vamos crescendo e nos tornando mais fortes, como quando o rio começa a receber afluentes e engrossa o seu volume e poder. Não a gravidade, mas a necessidade de sobrevivência, nos faz seguir os sulcos da vida, os nossos verdadeiros cânions com obstáculos de todo o tipo, formas e tamanhos. Quando o rio chega ao mar, mistura suas águas doces com a salgada do corpo maior, indicando o fim de uma parte da jornada. Quando morremos paramos de correr e nosso corpo se desmancha, e os componentes retornam ao ambiente, como a água do rio se mistura ao sal do mar. O que era um corpo humano, vai ser transformado em partes de uma planta ou de outros animais, seguindo a lógica de que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. O mesmo vai suceder com a água que, lentamente, será puxada para as nuvens pela força da evaporação, sendo depois jogada de volta aos continentes como chuva, realimentando o sistema. Tudo está conectado.
Foz do Rio Deseado, no sul da Patagônia, Argentina.