Blog Andando por Aí
Coruja-buraqueira
A coruja é uma ave predominantemente noturna, apesar de haver algumas espécies diurnas, e é lembrada como símbolo de sabedoria devido ao seu olhar de observadora, astuta ou com a fama de agourenta quando emite seus cantos sinistros na escuridão das noites sem lua. Na verdade, estas aves são um bom exemplo de como a evolução dota os indivíduos de ferramentas para enfrentarem o ambiente, como o seu voo absolutamente silencioso devido a modificações nas penas das asas que evitam o atrito entre elas, a excelente visão noturna e uma audição invejável. Com estas armas que adquiriu ao longo do processo evolutivo, ela se tornou um dos principais predadores noturnos de pequenos animais, como roedores, morcegos, insetos diversos, e até outras aves. Silenciosa e precisa, enxerga e captura com suas garras um pequeno roedor no meio da vegetação de um campo ou banhado, ou entre arbustos de uma mata fechada na mais completa escuridão. Como rebeldes dissidentes de um mundo superpovoado de aves diurnas, as corujas adaptaram-se a viver no turno da noite, enquanto a maioria das aves dorme. Assim elas utilizam o mesmo espaço em turno inverso, e para isso mudaram os olhos, os ouvidos, as penas das asas e as técnicas de captura de presas.
Campos e matas com sua diversidade de formas de vida e cores
A biodiversidade do Brasil é uma das maiores do mundo e disso todos se orgulham muito. Mas o que é mesmo biodiversidade? Literalmente é a diversidade da vida, a variedade e o número de espécies de organismos que existem num determinado lugar. Um deserto, por exemplo, devido ao rigor do clima, tem uma biodiversidade muito baixa, podendo suportar poucas espécies de animais e raras plantas ocasionais. Uma floresta, como a amazônica, a mata atlântica ou uma área do Pantanal mato-grossense, tem infinitamente mais capacidade de abrigar um maior número de espécies em uma área equivalente à de um deserto. Esta rica mistura de organismos é a biodiversidade de um lugar e, de tão importante, em 1992 a ONU instituiu 22 de maio como o Dia Internacional da Biodiversidade.
Espetos com as codornas na estrutura giratória do menarosto
Um dia destes fui a Otavio Rocha, um simpático e cativante distrito de Flores da Cunha, conhecer de perto a cultura italiana e suas delícias. Sob a condução segura do meu cunhado Daniel, que já conhecia o lugar há décadas e acompanhado por nossas gêmeas parceiras, fui sendo apresentado ao lugar e as pessoas. Conheci o Tranquilo, apelido de um colono autêntico que nos recebeu em sua cantina rústica, limpa e organizada com cheiro de terra e vinho com aquela mistura única de pipas cheias de vinhos jovens e em formação, garrafas e garrafões de vinhos brancos e tintos de uvas diversas – de Cabernet a Barbera, de Lorena a Moscato, da boa graspa a licores derivados dela, tudo simples, mas feitos com maestria pelo proprietário e sua família.
Rio Camaquã no Rincão do Inferno
Durante a história evolutiva do homem os rios, lagos e oceanos estiveram sempre presentes marcando a memória ancestral, assim como o fogo, a sede e a fome. Água e fogo estão muito ligados à minha vida e sempre me deram prazer e relaxamento em geografias tão distantes e diferentes como a montanha e a planície. Num banho de rio a água passa sobre a pele arrancando e levando por diante dores, suores, medos, más lembranças e o calor que incomoda. Tudo segue rio abaixo sem que ele me cobre nada por isso, deixando o corpo em sossego e com um agradável alívio térmico semelhante ao de um bom banho de chuva. É uma troca onde aquilo que me incomoda é o que a água leva, e o que me faltava, ela me traz. Assim é um banho de rio, um exercício completo de relaxamento e reencontro com um elemento da natureza vital e insubstituível.
Paredão do Rio Camaquã
Sempre se renovando, a água de um rio nunca passa duas vezes pelo mesmo lugar e isso faz com que ela me trate sempre como se fosse o primeiro encontro, com toda a sua gentileza de levar o que me incomoda e presentear com o que tem de melhor. Talvez este seja o grande segredo e por isso é sempre muito revigorante e agradável. Como um cachorro que gosta muito do seu dono, as vezes a água quer nos manter juntos para sempre, criando situações sinistras de posse que acabam em destruição em tragédia. Mas sabendo lidar com ela, podemos usufruir de sua infinita bondade e habilidade em nos proporcionar momentos únicos.
O fogo, antagônico natural da água, faz o contraponto perfeito para o equilíbrio de um prazer atávico, envolto em mistérios que nos elevam junto com as chamas a uma altura invisível, a lugares únicos e misteriosos. Esta mesma água que nos acalma com seu prazer refrescante, consegue apagar o fogo que nos aquece, parecendo que sente ciúmes das chamas que se elevam e iluminam tudo e todos em volta, coisa que não pode fazer com seu corpo líquido, amorfo e sem luz. Ou talvez o fogo queira ser maior que o rio, quando se alastra em grandes incêndios medonhos, e aí a água desce e acaba com a sua pretensão descabida, mostrando que cada um teu seu reino, função e espaço, sendo que o encontro dos dois é ruim para o fogo, já que se extingue e a água, ao sofrer o impacto com as chamas, muda para o estado de vapor, podendo assim fugir para cima e se esconder nas nuvens.
Graxaim-do-campo
A primeira lembrança que eu tenho da palavra graxaim vem do meu pai, quando eu ainda era criança. Ele usava a palavra pejorativamente para designar qualquer pessoa que, por algum motivo, não “prestava”. Aí ele lascava: “...é um graxaim!”. Só depois entendi o que esta palavra engraçada significava de fato: era o nome de uma espécie de cachorro-do-mato, pequeno e curioso que podia ser visto e/ou ouvido nas noites de acampamento que fazíamos num local que hoje abriga o Distrito Industrial de Canela. Era um local de mata densa, arroios e nascentes límpidas que compartilhei durante muitas férias de verão com meus amigos de infância. Acho que foi deste período que se instalou em mim o gosto e a admiração pela natureza e seus elementos.
Graxim-do-mato
Anos depois, já na PUC durante o curso de Biologia, conheci melhor este pequeno carnívoro nativo do Brasil e na biblioteca encontrei um trabalho técnico feito na Argentina sobre uma espécie de graxaim da região da Patagônia. Fazendeiros de lá reclamavam que os graxains estariam imprimindo baixas severas aos rebanhos de ovelhas e permitiram um estudo científico no local. Durante dois anos os biólogos, coordenados por Jorge Crespo, capturaram 257 animais e analisaram, entre outras coisas, o conteúdo estomacal deles. Surpreendentemente, o resultado mostrou que mais de 60% do material encontrado referia-se a restos de roedores nativos e lebres, sendo que apenas pouco mais de 20% representava restos de ovinos, ainda assim grande parte era de carniça. Provou-se que, muito antes de ser o responsável pela predação de ovelhas, o graxaim exercia um papel de controlador natural de espécie de roedores e lebres, que se alimentavam do mesmo capim das ovelhas. Conto isso para mostrar que o nosso graxaim aqui deve exercer ações semelhantes aqui nas fazendas da região, sendo mais útil vivo do que morto.
Casal de graxaim-do-campo
No Rio Grade do Sul temos duas espécies de graxains: o graxaim-do-campo, que tem cor mais clara e vive mais em áreas abertas e o graxaim-do-mato (foto) que é mais escuro e vive sempre associado a áreas de matas e capoeiras. Tenho visto muitos graxains atropelados nas estradas, sinal de que esta espécie se desloca continuamente. Ele não está ameaçado de extinção, se adapta bem as mudanças que o homem imprime ao meio ambiente e não tem nada de pejorativo. Sugiro utilizar a expressão “...é um graxaim” para alguém esperto, rápido, e com grande resiliência, esta capacidade que algumas espécies têm de superar obstáculos, resistir à pressão de situações adversas do ambiente e adaptar-se rapidamente a mudança. Certamente que o meu pai não iria se importar com esta inversão de sentido de seu adágio preferido.
O silêncio da paisagem infinita é uma das coisas que mais acalma o espírito
Na época remota em que no planeta ainda não existia nenhuma forma de vida vagando pelas águas, terras ou ar, os únicos sons que existiam eram os próprios da natureza, como o trovão, o vento açoitando rochas, a água debatendo-se em seu caminho nas margens e cachoeiras, os vulcões vomitando as entranhas da terra e as ondas do mar quebrando nas praias. Estes eram os sons que identificavam as paisagens da terra ancestral, chamados tecnicamente por Bernie Krause de geofonias, ou os sons da terra.
Mesa pronta: capeletti, crem, queijo, focaccia e vinho
A estação fria do ano, e as vezes muito fria, começa pelo final de junho e segue até meados de setembro, gelando e molhando tudo aqui pela serra gaúcha. Quem mora em Canela e região, sabe bem dos encantos e transtornos que esta estação traz, com aquele seu humor muitas vezes azedo, ou quando se torna possível uma lagarteada ao sol, escasso e disputado, comendo aquela inesquecível bergamota que, além do sabor doce de seus gomos, empresta o perfume do óleo que se desprende de suas cascas, marcando mão e roupas por algumas horas, como se fosse essa a exigência da fruta: ser lembrada também pela sua essência aromática.