Blog Andando por Aí
Toca aberta de um tuco-tuco
Andei, recentemente, pela praia de Arroio Teixeira num raro bom dia de outono, com sol e sem vento. A ausência quase total de pessoas mostrava, de maneira surpreendente, um cenário encantador, diferente daquele encontrado nos verões ensolarados. Na areia das dunas, sinais de atividades da madrugada ou do dia anterior, sugerindo a forte presença da fauna pelos morros de areia. Pequenos animais denunciavam sua presença pela forma dos montículos de areia deixados durante o seu deslocamento subterrâneo, parecendo uma longa e fina serpente morta.
Apreciar uma mata nativa de xaxins é como abrir uma fresta na parede do tempo e espiar o passado. Seus caules marrons, felpudos e macios, folhas gigantes e um perfil primitivo fazem desta árvore uma verdadeira relíquia, um fóssil fora do solo insistindo em viver. Presentes desde os tempos dos dinossauros, famintos por ervas ou carnes, assistiram as grandes mudanças operadas na paisagem, como a formação do Oceano Atlântico, na lenta separação dos continentes que originou a América do Sul e África. Assistiram ao maior evento vulcânico ocorrido no planeta que culminou com a modelagem do planalto onde está assentada a Região das Hortênsias. A tudo resistiram geração após geração, milênio após milênio, independente do ocorrido em sua volta.
Falar sobre a paisagem natural da Serra Gaúcha é um exercício que remete, necessariamente, aos floridos maciços de hortênsias vistos no verão, espalhados pelos barrancos de estradas, praças e jardins das duas principais cidades - Canela e Gramado. O panorama atual das áreas verdes urbanas e periurbanas pouco lembra o cenário original, devido a uma substituição gradativa e radical da flora, e mesmo de fauna, por novas espécies trazidas pelos colonizadores. A hortênsia talvez seja, depois dos gramados impecáveis e das multicoloridas flores exóticas dos canteiros de ruas, calçadas e casas, o ícone destas mudanças do elemento natural no cenário. A abundância e beleza de suas floradas encanta e cria um cenário mágico, emprestando o nome para designar a região, apesar da sua origem geográfica estar no longínquo oriente, em algum lugar da China ou Japão.
Eu sou água, líquido vital presente em 70% da superfície do planeta. Quando escorro da montanha para a planície, de forma a não causar estragos na paisagem, sou admirada e reverenciada. Igualmente, numa calma praia de brancas areias com sol e coqueiros, sou querida. Quando proporciono banhos quentes nas casas, lavo as roupas suadas das pessoas, elimino seus excrementos e carrego para longe seus odores, sou amada. Meu caminho natural sempre foi correr dos lugares altos para as baixadas, até chegar ao mar. No trajeto, passo em solos de diferentes locais, quando vou me espremendo entre paredões, espalhando ou caindo como cascata. Encontro pedras e cascalhos de todos os tipos e tamanhos, os quais vou rolando, quebrando, polindo e formando seixos e areia fina. Cavouco barrancas e levo a terra adiante para criar novos ambientes. Atravesso florestas, as quais sombreiam meu corpo e também, com suas raízes, agarram e protegem as barrancas para não me entregarem todo o solo precioso, fundamental para as árvores. Danço pelos campos sedentos de nutrientes dissolvidos, os quais espalho generosamente entre as gramíneas, vassouras, carquejas e trevos. Descanso um pouco nas planícies, onde me acalmo e viro lagos e lagunas prontas para saciar a sede de lavouras de arroz e soja. Finalmente, entrego-me ao sal do gigantesco oceano, o qual me recebe sem nada pedir em troca, aceitando meu açúcar de água doce misturar-se ao seu corpo salgado. Quando o sol me arrancar novamente, agora na forma de vapor, e o vento me levar de volta para algum continente, caio novamente como chuva e começo uma nova caminhada até o mar. Assim eu vou ao mar e volto aos continentes, vou e volto, desde o início dos tempos.
Filhote de gato feral do Agougue Gallas
Feral é uma denominação dada a um animal doméstico, seja cão, gato ou porco que se afasta do convívio humano e passa a viver independente, retornando a sua condição selvagem. Este fato acontece quando há uma falta de comida ou abrigo, forçando-os a se virarem por conta própria. Em Canela, no Açougue e Mercearia Gallas, surgiu um destes casos quando uma gata, já em estado feral, deu cria no abrigo alto e seguro de uma aba do telhado. Seus três filhotes cresceram, estão bem desenvolvidos e aparentemente saudáveis. Como já são ferais, não aceitam a aproximação de ninguém. Fogem a menor tentativa de serem pegos e afagados. Assim me disse o Carlos Gallas, um dos proprietários do estabelecimento: “Muita gente quer adotar os gatos e eu digo: é só pegar e levar. Mas ninguém consegue.” Furiosos, reagem com mordidas e arranhões a qualquer um que se aproxime, deixando claro o lado indomável deles.
Pinhões maduros colhidos no solo
O outono é a estação do ano que cria expectativas quanto ao aparecimento de alguns sinais únicos deste período. Dias mais curtos, sabiás calados, goiaba-serrana madura, noites mais longas e frias, fogão à lenha novamente aquecendo a casa e a alma, queda das folhas do ipê-ouro e do cedro-rosa, floração do manacá-da-serra e da chuva-de-ouro e a debulha do pinhão, entre tantos outros
Sou vermelho alaranjado, macio ou firme, com polpa doce e cremosa ou ainda com riscos de chocolate. Sou o caqui, fruta que não é daqui, mas lá da China. Fui trazido de lá para o Brasil meridional, onde encontrei um clima ideal para o meu crescimento. Estou por todos os mercados e fruteiras das cidades, saciando a fome dos apreciadores dos meus açúcares naturais, mesclados com vitaminas e fibras.