Blog Andando por Aí

A eterna luta das forças opostas

 

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Cordilheira do Andes em El Chalten, Argentina

Se você fica surpreso ao saber que uma luta pode durar um, dez ou cinquenta anos, como as guerras entre nações, disputas diplomáticas por divisas de territórios ou uma diferença entre o valor de uma herança, isso não é nada se comparado ao embate que se trava no planeta desde que ele existe. Nele há duas forças que atuam de forma antagônica, e são vistas e sentidas por nós quase que diariamente.

O vento, o sal e a história

 sal1Fachada com marcos de porta feitos em granito

Há um tempo atrás estive em São José do Norte, no sul do Estado, naquela estreita faixa de areia ladeada pelo oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos. Local de planura, história, água, vento e sal ali se instalou, a partir de 1725, um Posto de Vigilância para garantir a posse e o domínio da entrada da lagoa. Surgia ali uma povoação pioneira no início da colonização do Rio Grande do Sul, ora dominada pelos portugueses, ora pelos espanhóis. Ponto estratégico, por ficar no lado norte da barra da lagoa, por onde era escoada a produção agrícola e pecuária dos primórdios da formação do território gaúcho. No lado sul desta mesma barra, formou-se outro povoado que se transformaria no município de Rio Grande. Assim, frente a frente, os dois núcleos urbanos assistiam ao entrar e sair de barcos e navios trazendo e levando coisas e gentes para o interior do insipiente Continente. Andar pelas ruelas centrais de São José do Norte é andar pela história, por um passado não muito distante e que assistiu guerras e revoltas, saques e ataques de todos os tipos no início da sua implantação.

Eu sou o tempo

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É difícil me definir. Sou etéreo, intangível, sem corpo, forma, cor, cheiro, gosto ou textura. Estou aqui pelo mundo desde que ele existe sendo, portanto, contemporâneo a sua criação. Vejo tudo com calma, já que este é o meu maior predicado. A calma. Nunca me apresso, atropelo ou acelero algum acontecimento. Sempre no meu ritmo, as coisas vão seguindo e eu acompanhando. Sou velho e novo, já que estou sempre por aí. Acompanhei o surgimento deste planeta e todas as suas modificações, que não foram poucas, e me sinto plenamente capaz de seguir acompanhando o que virá.

Lua cheia no campo e na cidade

lua cheia

Um dia destes fiquei observando a chegada da lua cheia aqui, em Canela. Sentado na área e olhando para o leste, observava as luzes dos postes da rua à frente que pareciam luares em fila, porém estacionárias, frias. Logo que escureceu mais, vi surgir aquele brilho alaranjado por detrás da folhagem escura de um grande cedro-rosa que tem no terreno do vizinho. Pouco a pouco, entre taças de vinho e conversas, observei que aquela bola, ao contrário das luminárias da rua, vinha subindo e brilhando cada vez mais, passando do alaranjado inicial para um prateado intenso. Em pouco tempo ultrapassou as luminárias, a fiação dos postes, o cedro-rosa e se impôs no fundo escuro do céu, soberana e brilhante tendo como concorrentes poucos pontinhos luminosos de estrelas distantes.

Vendo e ouvindo

Vendo

Gosto de ir a algum lugar remoto onde a paisagem me remete à ausência de rastros humanos ou, pelo menos, com o menor indício de sua presença. Estou agora num destes lugares que escolhi a dedo, tendo à frente o horizonte norte e um mar verde de campos nativos com uma mistura equilibrada de capões de matas de araucária. Os matizes de verde impressionam porque variam entre o escuro e o claro, gradações que mostram o vigor dos campos de primavera e a soberania escura das araucárias que se impõe nas matas. Este equilíbrio de tons verdes dá, à paisagem, um toque de artista, de pintor de quadros que transcreve, fielmente, as cores que vê. Pinceladas de sombras escuras se projetam no chão dos capões abertos, revelando a posição do sol no momento.

Eu sou o esgoto

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É por aqui que eu escapo e me espalho nas calçadas e ruas, quando meus canos entopem

Na visão dos homens, sou repugnante, viscoso, fedorento, escuro e ando sempre, ou quase, pelos buracos e canos sob o solo das cidades, local onde sou mais famoso e abundante. Todos me evitam e sou tratado como um refugo, mas são eles mesmos que me produzem. Surjo como um indesejado e descartável subproduto dos corpos humanos, já que saio das células através dos seus intestinos, bexigas, narinas, da pele lavada nos banhos, das roupas e louças de suas refeições. Tudo acaba se encontrando nas fossas ou nos canos que me levam para as estações de tratamento, ou não, e me transformo num medonho líquido fétido que ninguém suporta ver e cheirar, causando muito transtorno nas cidades que ainda não aprenderam a me tratar adequadamente.

Eu sou a poeira

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Sou fina, leve, de várias cores e estou por todos os lugares deste mundo velho com muitas porteiras. Sou formada da terra que se esfarela e me deixa tão pequena que posso flutuar e ser levada pela mais débil brisa. Saio de uma estrada de terra quando o vento sarandeia forte ou quando carros e caminhões passam e me arrastam para cá e para lá. Gosto mesmo é de andar por aí vendo tudo de cima, embalada pelo vento, meu transporte preferido.

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